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      História da trágica perda
      Tragédias

      Rui Filipe: Um triste, triste dia

      Texto por Ricardo Miguel Gonçalves
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      No dia 21 de agosto de de 1994, jogou-se a primeira jornada da nova edição da Liga Portuguesa. O FC Porto, liderado por Bobby Robson, recebeu e venceu o SC Braga por 2x0. O momento decisivo surgiu aos 21 minutos da primeira parte, quando o médio Rui Filipe encheu o pé à meia lua e fez um golo que começou uma brilhante caminhada no futebol português, pois foi o primeiro golo dos 397 que constituiram o famoso pentacampeonato portista.

      Três dias depois, 24 de agosto, jogava-se a primeira-mão da Supertaça, frente ao Benfica. O jogo terminou 1x1 e o golo azul veio novamente dos pés de Rui Filipe, dessa vez com uma classe tremenda. O médio português viu-se com espaço dentro da área encarnada e, quando Michel Preud'homme saiu da baliza, Rui Filipe não hesitou em deixá-lo no chão com uma finta de corpo, antes de finalizar com um belo chapéu para dentro da baliza. Parecia o início de uma época de sonho, mas rapidamente se tornou num pesadelo.

      28 de agosto, apenas quatro dias mais tarde, foi quando um trágico acidente rodoviário tirou a vida a Rui Filipe, deixando o futebol nacional de luto.

      Uma tragédia inesperada

      O golo que Rui Filipe marcou ao Benfica na Supertaça não foi o único lance capital em que esteve envolvido nesse jogo. Sim, inaugurou o marcador aos 72', mas foi oito minutos depois que viu o cartão vermelho, como quatro outros nesse jogo (Secretário do lado do Porto; Abel Xavier, Nelo e João Vieira Pinto na equipa da casa).

      @FC Porto
      Essa expulsão, por pouco relevante que tenha parecido no momento, acabou por ter um grande impacto em tudo o que se seguiria. Rui Filipe, como todos os outros expulsos, ficou afastado do jogo seguinte, frente ao Beira Mar, que correspondia à segunda jornada do campeonato. Um jogo disputado no dia em que o médio perdeu a vida.

      O facto de estar suspenso para o jogo de qualquer das formas, aliado ao aniversário do seu irmão, levou Rui Filipe a pedir a Bobby Robson que fosse dispensado do treino da manhã de dia 28. O pedido foi aceite e o médio de 26 anos foi festejar com amigos.

      O final foi rápido e imprevisível. Rui Filipe estava a voltar do aniversário do irmão, ao volante do seu Rover, onde levava a namorada e um casal amigo. Numa brincadeira que correu terrivelmente mal, tentou ultrapassar o carro à frente, onde seguiam outros amigos. Foi um erro que se provou fatal.

      Eram 6h30 da manhã quando o carro de Rui Filipe se despistou em Gândara, na ligação entre a autoestrada do norte e São João da Madeira. Os bombeiros chegaram a tempo de encontrar a namorada de Rui Filipe com várias lesões, tal como os restantes passageiros. O jogador do Porto, infelizmente, já estava sem vida.

      «Foi o momento mais duro da minha carreira», disse mais tarde Jorge Costa. «O Rui era o meu colega de quarto e fui eu que lhe marquei aquele jantar. Foi complicado».

      A notícia chegou à equipa poucas horas depois, no treino matinal de um dia que seria ainda longo. As reações foram difíceis, pois Rui Filipe era alguém influente no balneário portista, havia muito carinho pelo colega, mas faltavam palavras para o expressar. Vítor Baía foi um dos jogadores que não escondeu a dificuldade da perda:

      «Tínhamos uma relação muito forte. O Rui Filipe era uma pessoa que amávamos. Alguém de grande humildade, amigo, era um lutador».

      Para sempre um campeão

      Rui Filipe nasceu a 8 de março em Vale de Cambra, uma pequena cidade no distrito de Aveiro, e foi aí que começou a brincar com a bola. Deu os primeiros passos no futebol ao serviço do clube da terra, o Valecambrense, que até hoje tem o seu busto exposto, tal como o clube para onde se mudou em 1984, com 16 anos: o Futebol Clube do Porto, onde representou inicialmente as camadas jovens dos azuis e brancos.

      Aos 18, mudou-se para Barcelos, onde representou o Gil Vicente durante dois anos, a título de empréstimo dos dragões. Depois, foram dois anos no Sporting Clube de Espinho, seguidos de uma última época no Gil Vicente, onde por fim se fixou no meio-campo de uma equipa da primeira divisão portuguesa.

      Contra o Tottenham, em 1991 @Getty /
      Em 1991/92, com 23 anos, voltou finalmente ao FC Porto, no momento certo para se destacar enquanto futebolista, pois Rui Filipe era um médio centro de grande qualidade. Não era alto, embora não fosse fraco, mas a sua verdadeira força estava na qualidade técnica. A qualidade de passe era inegável, e era isso que dava uso quando preferia encontrar colegas melhor posicionados, em oposição a fazer o remate que, por sinal, também não era nada mau. 

      Na equipa principal do Porto foi imediatamente campeão nacional, sob o comando de Carlos Alberto Silva. Foi novamente campeão no ano seguinte, com ainda mais preponderância na equipa portista, depois da chegada do treinador inglês Bobby Robson, que deu a Rui Filipe o lugr no onze inicial por ser um grande apreciador da qulidade do médio.

      Nas quatro épocas que representou os dragões, Rui Filipe encontrou sucesso tremendo. Três Campeonatos, três Supertaças e uma Taça de Portugal. Fez 97 jogos e marcou onze golos, alguns deles de grande importância, outros de grande beleza, mas todos com a camisola do FC Porto, onde em grande parte do tempo levava nas costas o número 10. Jogou pela seleção nacional em seis ocasiões, entre 1992 e 1993. Fez de tudo, mas fica um sabor a pouco para os adeptos, depois de ver uma carreira que terminou aos 26 anos por obra de uma suspensão, um aniversário e uma manobra mal calculada.

      Um mau dia para ser dragão

      «I'll never forget this sad, sad day» - Bobby Robson

      Era dia de jogo quando se soube da morte do atleta. As emoções estavam instáveis entre todo o plantel e a ideia de defrontar o Beira Mar apenas umas horas mais tarde era cada vez mais descabida, o que levou o FC Porto a pedir o adiamento do jogo. O lado humano ficou escondido atrás das burocracias, e a federação rejeitou o adiamento, o que fez aquele dia 28 de agosto passar muito devagar para todos os corações azuis e brancos.

      @FC Porto
      «O dia foi muito longo», recordou o defesa brasileiro Aloísio, «foi complicado manter o estado emocional. Até ao apito inicial havia jogadores a chorar, foi muito difícil emocionalmente separar o que tinha acontecido quando nos tínhamos que focar em ganhar o jogo».

      E jogou-se em Aveiro. Uma primeira parte sem golos foi seguida de um sólido 0x2 na segunda metade, com Rui Barros e Emerson a marcar. Foi com um ambiente pesado, pois era demasiado cedo para o jogo ser encarado como uma celebração à vida de Rui Filipe, mas o FC Porto acabou por conseguir vencer e dedicar a vitória ao colega que caiu, mas que nunca seria esquecido. O que foi esquecido, por outro lado, foram os detalhes desse jogo, que não deveria sequer ter acontecido:

      «Não sei como foi possível permitirem o jogo», disse Vítor Baía. «Nós nem estávamos lá... Sei que ganhámos, porque tínhamos que ganhar pelo Rui, mas as peripécias não faço ideia nenhuma, porque esse jogo nunca devia ter acontecido. Não havia um único jogador concentrado no jogo».

      A queda de Rui Filipe foi considerada pela grande maioria das pessoas ligadas ao clube como um dos momentos mais difíceis que já experienciaram. Pinto da Costa não foi excepção, e também fala desse dia como uma nuvem negra no meio de um céu, em parte, limpo. O presidente dos dragões, quando pensa em Rui Filipe, prefere não recordar o jogador, mas sim a força que a equipa mostrou depois da sua morte, num momento que atribuiu a Bobby Robson, que salienta como o treinador que incutiu ânimo na equipa depois de um período extremamente complicado. 

      Rui Filipe caiu com estrondo, mas das suas cinzas nasceu um Futebol Clube do Porto dominante, com uma das melhores equipas da história do futebol português. O médio pode ter vivido uma carreira muito mais curta do que aquilo que se previa, mas a sua memória será eterna.

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