Os antecedentes: a FLEC
Em janeiro de 2010, o atentado à comitiva togolesa colocou no mapa a situação política no pequeno enclave de Cabinda, uma província angolana que atualmente não tem continuidade territorial com o restante território de Angola e que durante o domínio português foi considerada uma entidade territorial distinta de Angola.
Em 1885, o Tratado de Simulambuco reconhecia a existência de um Protetorado português em Cabinda, conhecido então como Congo Português, e reconhecido pelas demais potências coloniais.
A conferência de
Berlim, de 1885, reconhecia a posse portuguesa de Cabinda, mas concedia ao Estado Livre do Congo, futuro Congo Belga, atual RD do Congo, a foz do rio Congo, separando definitivamente Cabinda da restante província portuguesa do Congo e de Angola.
A situação manteve-se até à independência de Angola, em novembro de 1975, quando Cabinda se tornou uma província angolana. Mas muitos cabindenses não aceitaram tal situação, clamando pela independência de Cabinda, e iniciaram-se combates à presença angolana no enclave, liderados pela FLEC, Frente de Libertação do Enclave de Cabinda, um movimento independentista que tinha surgido nos anos 60 para combater o domínio colonial português.
A CAN 2010
A CAN 2010 era uma excelente oportunidade de Luanda demonstrar que Angola do século XXI era um país próspero e em paz.
Em 2010, Angola recebeu a organização da 27ª edição da Taça Africana das Nações, mais conhecida por CAN, o acrónimo do francês Coupe d'Afrique des nations. Entre as sedes do torneio, encontrava-se o Estádio do Chiazi, em Cabinda, onde se disputavam os encontros do Grupo B, com Togo, Costa do Marfim, Burkina Faso e Gana.
Antes da competição começar, as autoridades angolanas garantiram que todas as comitivas estariam em segurança durante a competição, inclusive as que se encontrassem em Cabinda, onde além dos jogos do Grupo B, se disputava uma partida dos quartos-de-final.
O Atentado
A 8 de janeiro de 2010, o autocarro que transportava a seleção nacional do Togo foi emboscado por um grupo de homens armados. O motorista Mário Angoua, um angolano contratado pela organização para transportar os gaviões, foi atingido mortalmente, provocando a imobilização do autocarro, que ficou debaixo de fogo de metralhadora durante aproximadamente 30 minutos.
Com os restantes passageiros a esconderem-se, deitando-se no chão do autocarro, ou procurando esconder-se por baixo dos assentos, o pânico instalou-se, com jogadores, equipa técnica e diretores impotentes perante o sofrimento dos companheiros que haviam sido atingidos. Os dez seguranças que seguiam o autocarro em dois carros envolveram-se numa troca de tiros com os rebeldes da FLEC, que acabaram por dispersar passados 30 minutos.
A FLEC reivindicou o atentado, mas indicou que o objetivo não era a equipa togolesa, mas as forças de segurança angolanas
Entre as vitimas mortais do ataque perpetuado pelos rebeldes de Cabinda encontravam-se Améleté Abalo, treinador adjunto da equipa, e Stanislas "Stan" Ocloo, um assessor de imprensa da Federação Togolesa.
Além dos três mortos, houve ainda ainda diversos feridos, como o defesa dos romenos do Vaslui, Serge Akakpo, que ficou gravemente ferido, a perder muito sangue, tal como o guarda-redes Kodjovi Obilalé. Com menos gravidade, mas igualmente feridos, ficaram também um vice-presidente da Federação Togolesa de Futebol, um jornalista, um médico e um fisioterapeuta.
A reação togolesa
As ondas de choque do atentado em Cabinda espalharam-se por África e pelo mundo, sendo recebidas com muita comoção no Togo. Alguns jogadores, como Adebayor, a estrela maior da seleção, ameaçaram que não iriam participar na competição. Jogadores, treinadores e dirigentes que se encontravam em Cabinda ameaçaram um boicote ao CAN, provocando grande celeuma entre os organizadores angolanos em Luanda e os dirigentes da CAF.
De Lomé chegaram ordens para os gaviões abandonarem a competição e pouco tempo depois, em comunicado, a Seleção Togolesa anunciava a sua desistência da CAN.
No entanto, os jogadores que se tinham reunido para discutir a situação chegaram a repensar o abandono da competição, e alguns jogadores disseram que a seleção podia disputar a CAN como homenagem às vítimas do atentado em Cabinda, mas o governo togolês seria absolutamente intransigente, optando por ordenar o regresso da equipa a casa.
Outras reações e consequências
As autoridades angolanas reagiram ao atentado de Cabinda qualificando-o como "um ato terrorista", prometendo um reforço da segurança no país durante a realização do CAN, enquanto, por outro lado, acusavam a comitiva togolesa de ter preferido viajar de autocarro quando devia ter seguido de avião, não seguindo todas as normas de segurança. Nos dias seguintes, diversos suspeitos de colaboração com a FLEC - mas não envolvidos no atentado - foram detidos. A 11 de janeiro, dois operacionais da FLEC seriam capturados na zona dos atentados, sendo formalmente acusados de terem participado na ação terrorista.
Após o ataque, as autoridades de Luanda reforçaram consideravelmente o grau de segurança no torneio
Diversos clubes europeus mostraram-se preocupados com a presença dos seus jogadores em Angola, com o
Manchester City e o Portsmouth a demonstrarem publicamente os seus receios em relação à segurança dos seus atletas que se encontravam a disputar a CAN.
As próprias autoridades sul-africanas, responsáveis pela organização do Mundial que iria ter lugar no seu país alguns meses mais tarde, prontamente declararam que o sucedido em Angola não teria repercussão na África do Sul e que não havia motivos para receio, o primeiro mundial africano decorreria sem problemas.
A comitiva dos gaviões abandonou Cabinda a 10 de janeiro, regressando a Lomé onde foi decretado um luto de três dias. Um dia depois, a seleção do Togo era oficialmente excluída da competição e o Grupo B ficava reduzido a três equipas.