Não é preciso ter visto «As Asas do Desejo» (1987) para sentir que Berlim é uma cidade guardada por anjos. Na magnífica obra de Wim Wenders, a cidade ainda dividida pelo Muro, é velada por um batalhão de anjos, que do alto dos edifícios mais icónicos da cidade acompanham as desventuras das almas perdidas e solitárias. Tantos anos passados, ainda há quem não resistira a olhar para cima à procura de Damiel - o anjo e personagem principal da história interpretado por Bruno Ganz - enquanto caminha pelas ruas desta cidade que muitos consideram o coração da Europa.
O pulmão
Entre a ##Coluna da Vitória e a Porta de Brandeburgo estende-se a rua 17 de Junho ladeada pelo impressionante, e refrescante Tiergarten.
Dizer que o Tiergarten é o pulmão da cidade é bem mais do que um cliché. Berlim, como a maioria das grandes cidades europeias tem diversos parques e jardins. Berlim não é exceção, com grandes jardins como o Jungfernheide a noroeste da cidade, ou o Tempelhofer Feld, um parque que nasceu no local do desativado aeroporto de Tempelhof. Ainda a merecer visita destacam-se os parques de Treptower e o Volkspark em Friedrichshain, ambos localizados na parte oriental da cidade.
Mas o coração dos berlinenses está com o Tiergarten, local ideal para piqueniques e passeios de bicicleta, para apanhar sol no verão e praticar desporto. Algumas das zonas do jardim estão reservadas a nudistas. Na parte sul do jardim encontra-se o maravilhoso jardim zoológico de Berlim, um dos mais afamados de todo o Mundo.
O coração
A dois passos passava em tempos o infame Muro de Berlim, linha divisória entre as duas cidades durante a Guerra Fria. Hoje o espaço está marcado no chão, lembrando aos berlinenses e visitantes, que em tempos a cidade estava dividida em duas.
Quem hoje olha para a Porta de Brandeburgo dificilmente imaginará o cenário que dividiu a cidade entre 1961 e 1989, todavia as marcas ainda estão bem presentes na memória dos locais e todos os que viveram os momentos históricos em Novembro de 1989, quando o Muro foi derrubado pelos berlinenses e a cidade voltou só a ser uma.
A cicatriz
A Porta de Brandeburgo, edificada entre 1788 e 1791 era, como o nome indica, uma das entradas da cidade antiga, e ainda hoje é um ponto nevrálgico na cidade. Para o lado esquerdo (tendo ainda a 17 de Junho pelas costas) fica o Reichstag, parlamento alemão, casa da Democracia germânica, palco de um famoso incêndio a 27 de Fevereiro de 1933, que seria utilizado pelo regime de Adolf Hitler para suspender definitivamente o parlamentarismo alemão, instaurando a censura e banindo os partidos da oposição.
Durante a Segunda Guerra Mundial o Reichstag seria palco de bombardeamentos nos últimos dias da conquista de Berlim pelo exército vermelho, ficando parcialmente em ruínas.
Com a Guerra Fria o edifício ficou na parte ocidental da cidade e seria reconstruído, mas como Berlim não era a capital da R.F.A. o Reichstag tinha apenas um papel simbólico. Seria apenas após a unificação que voltaria a ter a importância de outrora, sendo alvo de nova reconstrução, projeto do arquiteto inglês Sir Norman Foster que lhe desenhou a famosa cúpula, hoje uma imagem de marca da silhueta berlinense.
A sombra
Para recordar esses trágicos momentos que foram os últimos dias do regime nazi, voltamos a Bruno Ganz, que genialmente representou o ditador alemão na «Queda» de Oliver Hirschbiegel, um filme alemão de 2004.
Bruno Ganz será o melhor dos cicerones para compreender a cidade. Pois assim é Berlim, cidade onde convivem as mais altas manifestações de arte com a memória das mais horríveis atrocidades. Visitar Berlim é não ficar indiferente ao rumo da história e perceber que nada neste mundo é garantido.
A artéria
Em frente da Porta de Brandeburgo encontra-se a Praça de Paris com o icónico Hotel Adlon, no número 77 da Unter der Linden. O Adlon é um dos mais renomados hotéis de luxo do Mundo, que sobreviveu a revoluções, duas Guerras Mundiais e às autoridades da RDA que ordenaram a sua demolição nos anos 80. Entre os ilustres hóspedes que passaram pelo Adlon durante o século XX contam-se nomes tão célebres como Charlie Chaplin, Mary Pickford, Albert Einstein, Enrico Caruso, Thomas Mann, Josephine Baker e Marlene Dietrich, assim como os presidentes norte-americanos Franklin Roosevelt e Herbert Hoover.
Depois da unificação o Hotel renasceu em toda a sua glória, assim como a Praça de Paris e a charmosa Unter der Linden, a artéria mais nobre da capital alemã, uma boulevard à francesa repleta de locais de interesse e lojas de renome.
Seria em 1647, era ainda Berlim uma pequena cidade alemã e capital do pequeno estado de Brandeburgo, que se plantaram as primeiras tílias a ladear a estrada que tomava a direção dos campos de caça de Tiergarten.
Sob as Tílias, é precisamente essa a tradução de Unter der Linden, era o local perfeito para a nobreza e burguesia da cidade passear nas tardes de Primavera e Verão.
Hoje, tantos séculos passados, a artéria é atravessada diariamente por milhares de pessoas, e legiões de turistas que palmilham cada metro da alameda à procura dos seus monumentos e cafés afamados, ou perdendo-se pelas ruas laterais desta zona da cidade conhecida apropriadamente como o Mitte, o centro.
Entre os locais de destaque nesta parte da cidade encontram-se a Universidade Humboldt, a Ópera Cómica e a Grande Ópera, a Bebelplatz, as embaixadas da Rússia, Hungria e Reino Unido, a estátua equestre de Frederico II da Prússia, a ponte de Schlossbrücke sobre o Spree e obviamente a Dom, a Catedral da cidade com a sua impressionante cúpula em tons de verde.
A dois passos da Unter der Linden encontra-se a maravilhosa Gendarmenmarkt, a "Praça das duas Senhoras", ou seja, as catedrais alemã e francesa. No centro desta maravilhosa peça de arquitetura setecentista encontra-se a Konzerthaus, casa de uma das principais orquestras de Berlim.
No centro da praça encontra-se a estátua do grande poeta alemão Friedrich Schiller que fuciona como um «ponto de encontro» tanto para berlinenses como para turistas.
O mundo numa ilha
A Berliner Dom encontra-se em plena Museuminseln, a ilha dos museus, centro cultural por excelência da cidade. Aqui podem-se encontrar artefactos históricos de todo o mundo como o busto de Nefertiti da coleção do Museu Egípcio de Berlim que se encontra em exibição no Neues Museum. Outro ponto de destaque é a famosa Porta de Ishtar, uma das oito portas da antiga Babilónia que juntamente com o caminho processional foi totalmente reconstruído dentro do Museu Pergamon.
Ainda no Pergamon, na entrada será impossível perder a magistral escadaria do templo de Pérgamo - antiga cidade grega na atual Turquia - que dá nome ao Museu e que foi transferida, peça por peça para a capital alemã no século XIX.
Além do Pergamon na Ilha dos Museus ainda se pode encontrar o Altes, o Bode e a Galeria Nacional, todos eles locais de visita obrigatória.
Alexanderplatz
O decadente charme da antiga capital da RDA encontra-se para lá da Ilha dos Museus. Alexanderplatz, é o sempre renovado centro da cidade oriental. Alex, como é conhecida pelos locais, deve o seu nome à visita do Czar Alexandre I em 1805.
Nos anos 20 era - juntamente com Potsdamer - o centro da vida noturna e da boémia da cidade. Alexanderplatz inspirou o famoso romance "Berlin Alexanderplatz" de Alfred Döblin em 1929, que por sua vez inspirou um filme em 1931 e a famosa série de 15 horas que Rainer Werner Fassbinder realizou em 1980.
Com a sua estação e as torres, de onde se destaca o arranha céus do Park Inn, Alexanderplatz é local de visita obrigatória para quem quer sentir o pulsar da grande cidade, enquanto milhares de berlinenses atravessam a praça todos os dias, atarefados a caminho ou no regresso do trabalho.
A torre, a casa vermelha e o regresso ao passado
A dois passos da Alexanderplatz encontra-se a famosa torre de televisão, Fernsehturm, construída entre 1965 e 1969 pelas autoridades comunistas da RDA, é um dos símbolos de Berlim, visível de grande parte da cidade, utilizada pelos turistas como um ponto de referência e orientação.
Com 368 metros de altura é a quarta maior torre de televisão da Europa, apenas superada pelas "irmãs" de Moscovo, Kiev e Riga. Por detrás da Torre, bem perto do Spree encontra-se a Rotes Rathaus, a Câmara Municipal Vermelha. Desengane-se quem pense que a referência ao vermelho tem alguma conotação política, pois de facto o vermelho é a cor dos milhares de tijolos que cobrem a fachada deste famoso monumento.
Já menos isento de conotação política terá a Karl-Marx-Allee, que saindo da Alexanderplatz rasga a cidade oriental em direção a Friedrichshain, uma parte da cidade onde antiga arquitetura DDR ainda predomina.
Por trás da Câmara encontra-se o charme de uma pequena cidade medieval, Nikolaiviertel, que com os seus restaurantes, cafés e lojas, jardins com pequenas esplanadas cercadas de flores, evocando um charme de outras eras. Quem visita Berlim fica sempre encantado por este "enclave" de bom gosto e história, perdido nas traseiras dos grandes prédios, com os seus edifícios antigos e igrejas históricas e o rio que parece abrandar a sua marcha, quando passa por estas bandas...
Ostalgie
Quando se entra no centro da antiga capital da Alemanha de Leste percebe-se a força da memória afectiva que o antigo regime ainda tem em muitos berlinenses. Esse amor-ódio tem um nome: Ostalgie.
Ostalgie é um neologismo cunhado nos anos 90 que combina as palavras Ost (este) e Nostalgie (nostalgia) e que remete para essa mesma nostalgia pela cultura e estética do período da antiga R.D.A.
A Ostalgie surgiu, à imagem do Soviet Chic, depois da queda do Muro e do fim dos regimes de leste, tendo rapidamente crescido na Alemanha, primeiro como um nicho de mercado, com pequenas lojas que vendiam antigos produtos made in DDR.
Com o tempo a paixão por tudo o que fazia recordar os tempos da Alemanha Democrática contagiou também os ocidentais e os turistas. As lojas repletas de produtos "comunistas" surgiram por todo o lado e o sucesso de filmes como «Good Bye Lenine!» fizeram o resto.
A Berlim hipster
Atravessando a "estalinista" Karl-Marx-Allee entramos no coração de Friedrichshain avançado em direção à Frankfurter Tör - local onde ficava a antiga porta de Francoforte, com direção a Francoforte no Óder (1) que lhe dava nome - com a suas duas torres, no cruzamento entre as Karl-Marx e a Frankfurter Allee. Se se voltar para trás verá a Torre de Televisão enquadrada por entre as duas torres da Porta de Francoforte, que fazem lembrar a Gendarmenmarkt.
Lojinhas para todos os gostos e com grande preocupação ecológica, esplanadas atrás de esplanadas, Friedrichshain é o habitat perfeito do jovem ambientalista, ideologicamente comprometido que gosta de dissecar os males do mundo e o iminente fim do capitalismo enquanto bebe uma cerveja.
Rivalizando com Londres pelo estatuto de capital europeia do "hipsterismo", Berlim é uma meca da cultura alternativa e Friedrichshain, se bem que não tão hipster como Kreuzberg, é certamente local de visita obrigatória.
O encanto de Friedrichshain
Rumando em direção ao rio Friedrichshain a cidade incorpora esse espírito de rebeldia de quem hesita entre renegar o futuro ou esquecer o passado. Talvez nenhuma zona de Berlim seja um compromisso tão declarado entre o antes e o pós Muro de Berlim.
A cultura avant-garde e decadente dos cafés de Simon-Dach-Strasse, da Knorrpromenade ou da Boxhagener por oposição à frieza das linhas clássicas da Haus an der Weberwiese. O Spree dividido pelas linhas "gótico-industriais" da Oberbaumbrücke - a mais icónica ponte da cidade - e o Molecule Man, a maior escultura de Berlim a apontar para o futuro. O rio é nesta parte da cidade viveiro de atividades, com praias estivais, hosteis instalados em barcos, galerias e cinemas ao ar livre, campos para a prática desportiva.
Ali a dois passos a East Side Gallery, ou a forma pomposa como a cidade transformou a maior secção contínua do Muro que ainda persiste de pé na maior galeria de arte a céu aberto do Mundo. O velho Muro, ontem odiado e vilipendiado é hoje motivo de orgulho e preservado por todos.
A omnipresença do Muro
Der Mauer, o Muro, é ainda hoje um marco incontornável na cidade. Visitar a cidade é obrigatoriamente seguir-lhe o rasto. Começando pela Porta de Brandeburgo, seguimos para a Potsdamer Platz, onde ontem passava o muro e hoje reluz o fantástico Sony Center com a sua cobertura que fascina os visitantes.
Potsdamer Platz foi em tempos uma das portas da cidade de Berlim, que como tão bem o nome descreve ficava na estrada que seguia rumo a Potsdam.
Um dos centros da boémia berlinense durante os anos dourados da República de Weimar, a Potsdamer Platz ficou em ruínas no fim da Segunda Guerra Mundial e assim ficou durante muitos anos, tornando-se numa zona de ninguém durante a Guerra Fria, atravessada pelo Muro.
Reconstruída nos anos 90, rapidamente se tornou num dos mais importantes centros da nova capital, palco de grandes eventos, como o Berlinale, o Festival ##Internacional de Cinema de Berlim.
Serpenteando como o Spree
Tal como o rio Spree, o Muro serpenteava a cidade dividindo as duas cidades. A Berlim Ocidental, composta pelos três setores: inglês, francês e americano, e a Berlim Leste, antigo setor de ocupação soviético, que se tornou na capital da República Democrática Alemã, conhecida nestas bandas por DDR.
A parte ocidental era parte integrante da República Federal Alemã que tinha capital em Bona, na parte ocidental do país.
Um dos pontos nevrálgicos do Muro era o famoso Checkpoint Charlie, outro local de visita obrigatória, que foi até 1989 a única passagem possível entre as duas partes da cidade, famoso por ter sido local de troca de espiões e de prisioneiros de um e de outro lado do Muro.
Não tão convencional será visitar um dos diversos bunkers que se encontram na cidade. Um dos mais famosos fica ao lado do rio e foi transformado num clube de dança. O celebrado, especialmente entre os fãs do techno, clube Maria. Um ícone de visita obrigatória, mas que não é certamente para todos os ouvidos.
Uma cidade para se estar
"Berlim é uma cidade mais para se estar do que para se ver" é uma máxima que muitos que visitam a capital da Alemanha costumam repetir. Mesmo que a monumentalidade da cidade desminta essa máxima, para aqueles que querem "estar" não faltam sugestões:
Auguststrasse e as suas galerias de arte, a Friedrichstrasse que corre em direção a Kreuzberg ou hedonista Oranienburgerstrasse com os seus espaço de diversão noturna, a sinagoga e as ruas repletas de prostitutas - a prostituição é legal na Alemanha - que emprestam um colorido pouco habitual à rua.
Outro ponto de destaque em Oranienburguer era o famoso Tacheles, um edifício ocupado por artistas que foi um dos centros da vida cultural e noturna da cidade até meados da última década. Numa das pontas da rua encontra-se a praça de Hackescher Markt, um antigo mercado, que hoje fervilha com cervejarias e restaurantes, a dois passos de uma das mais belas estações de metro de Berlim.
A oeste nada de novo?
Na parte ocidental da cidade não se pode perder a Kurfürstendamm, ou Kudamm como é conhecida entre os locais, uma das avenidas mais famosas de Berlim, antigo centro comercial da cidade ocidental com a sua avenida repleta de lojas de marcas, hotéis, cafés e restaurantes para carteiras mais endinheiradas.
O pulsar desta zona da cidade pode se sentir na praça Breitscheidplatz, onde se destaca uma das principais atrações de Berlim, a Gedächtniskirche. Uma igreja que foi seriamente danificada durante os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial. Ficou de pé uma parte da igreja com a sua torre e ao seu lado nasceu uma torre que serve como memorial e museu, onde pode descobrir toda a história da Igreja antes e depois da destruição.
Por último, regressando para o Tiergarten onde começou o nosso passeio, voltamo-nos em direção a Spandau e tomamos o caminho do Estádio Olímpico.
Passando por Charlottenburg e a Deutscher Oper, chegamos ao Olympiastadion, palco das quatro medalhas que Jesse Owens conquistou nas Olimpíadas de 1936, provocando a ira de Adolf Hitler.
Muitos anos mais tarde o estádio, renovado em 2004, seria o palco da final do Mundial de 2006 onde a Itália bateu a França nos penáltis e Zidane deu a famosa cabeça a Materazzi.
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(1) Frankfurt-an-der-Oder (Francoforte do Óder) fica no leste da Alemanha, não confundir com a ocidental e cosmopolita Frankfurt-am-Main (Francoforte do Meno), sede do Banco Central Europeu.