O que é que pode ser tão mau ou pior do que, numa final de Champions, estar em vantagem até aos descontos, sofrer um golo ao cair do pano, acabar goleado e perder um dos jogos mais importantes da sua história contra o grande rival? Para o Atlético, a resposta chegou em Milão, no dia 28 de maio de 2016.
Se a partida de Lisboa, dois anos antes, havia sido particularmente emocionante e dramática, a de San Siro não lhe ficou nada a dever. O jogo dos jogos voltou a ter um valente golpe de teatro durante o tempo regulamentar, Sergio Ramos picou outra vez o ponto, mas, desta vez, o resultado não acabou desequilibrado, bem pelo contrário. Merengues e colchoneros foram ao limite das suas capacidade, levaram a decisão da final para as grandes penalidades e, aí, Cristiano Ronaldo disse presente, materializando um Real especialista e campeão europeu.
A Champions de 2015/2016 foi, acima de tudo, o início de uma hegemonia, mas as histórias não se esgotaram na final, muito menos no supercampeão europeu que começava a nascer sob as ordens de Zidane. Não faltaram surpresas, algumas desilusões, a confirmação de um novo colosso europeu e uma participação portuguesa que trouxe prestígio e muitos pontos no ranking.
Mas antes de nos direcionarmos para os bons desempenhos do Benfica e para uma grande queda chamada FC Porto, importa destacar aquilo que foi o comportamento dos treinadores lusos durante a fase de grupos. Descontando Nuno Espírito Santo, que foi despedido do comando técnico do Valência ainda antes do final dos primeiros seis jogos, Marco Silva e André Villas-Boas deixaram uma imagem muito positiva. O antigo técnico do Sporting levou o Olympiacos a uma fase de grupos quase irrepreensível, feita de boas exibições, de uma grande vitória no Emirates, mas de uma derrota comprometedora na última jornada face ao Arsenal, que acabou com os mesmos pontos, seguindo para os oitavos em vez dos gregos devido ao confronto direto. O Zenit venceu e convenceu no seu grupo, acabando na dianteira, à frente de Lyon, Valência e Gent, com cinco vitórias e apenas uma derrota. Villas-Boas parecia ter condições para elevar ainda mais o nível dos russos.
Houve outro português a deixar uma marca positiva nos bancos, mas este ao leme de uma equipa lusa. A Champions deste ano foi de estreia para Rui Vitória, que passou o teste num grupo que trazia um antigo e futuro finalista e um sempre traiçoeiro adversário turco. No Vicente Calderón, o Benfica fez história, ao ser o único conjunto, na condição de visitante, a ganhar e a marcar golos naquela época europeia ao Atlético de Simeone. Um triunfo muito saboroso, numa das mais consistentes exibições da era pós-JJ, que não impediu outros solavancos mais lá para a frente. Porque as insuficiências coletivas do Benfica, visíveis em Portugal, principalmente nos jogos grandes, ganharam uma dimensão internacional em solo turco, no empate muito tremido na casa do frágil Astana e no claro desaire caseiro contra os colchoneros, num jogo em que os encarnados até atacavam dois resultados para garantir a liderança. Deu para passar, de forma totalmente justa, ainda assim.
Pior ainda do que a queda abrupta azul e branca, só mesmo o apagão do diabo vermelho. O Manchester United, na segunda época de Van Gaal, tinha aspirações a regressar num bom plano à Liga dos Campeões, depois de uma curta ausência de um só ano e de um defeso com investimento e entradas de nomes sonantes, como Schneiderlin, Schweinsteiger e, principalmente, Martial, nova jóia da coroa do futebol francês. O certo é que, num grupo altamente acessível, os red devils não conseguiram melhor do que um dececionante terceiro lugar, com o mesmo número de vitórias, empates, derrotas e golos marcados e sofridos. Passavam à próxima fase PSV e Wolfsburgo, que ainda teria uma palavra forte a dizer nesta Champions, mesmo já sem o contributo do craque De Bruyne.
Ultrapassada a fase de grupos, era tempo do mata-mata. E não faltaram momentos importantes logo nos oitavos. Antes de dissecarmos o duelo entre Benfica e Villas-Boas, importa recordar duas eliminatórias importantes na história desta Champions. Desde logo, a que colocou frente a frente o PSV e o Atlético de Madrid. Futuro finalista da competição, o clube da capital precisou das grandes penalidades para evitar uma valente surpresa, depois de uma eliminatória completamente sui generis, em que nenhuma das formações foi capaz de marcar um único golo. Na Alemanha, também não faltou emoção e mais do que 180 minutos. A Juventus, que, em Turim, tinha recuperado de um 0x2 para um 2x2, entrou com tudo em Munique e conseguiu uma vantagem de dois golos no marcador. Em risco de ser eliminado, o Bayern puxou pelos galões e levou o jogo para prolongamento. Entre o minuto 73 e o minuto 110, quatro golos foram festejados na Allianz Arena, naquele que foi um autêntico assalto à baliza de Buffon. O sonho europeu da vecchia signora teria de esperar, pelo menos, mais um ano.
Não faltou também emoção ao duplo confronto entre Benfica e Zenit. Em teoria, o conjunto russo era dos poucos primeiros classificados que abria boas perspetivas ao campeão nacional, mas o passado com Villas-Boas era absolutamente traumático. O jogo da Luz, que apareceu poucos dias depois de mais uma derrota caseira face ao rival FC Porto, teve oportunidades para os dois lados, até ao golo decisivo de Jonas, no período de compensação. Um momento muito festejado pelo avançado brasileiro, que tardava em marcar nas partidas mais complicadas. O jogo da Rússia fez-se, outra vez, de muito equilíbrio e de golos na reta final. Hulk empatou a eliminatória a 20 minutos do final e, numa altura em que os treinadores projetavam o prolongamento, apareceu Raúl Jiménez para um dos seus vários momentos de glória. O remate de muito longe do mexicano não deu em golo, mas permitiu uma recarga fácil a Gaitán, que praticamente colocou os encarnados nos quartos. Depois, houve ainda tempo para Talisca gelar definitivamente os russos, numa das jornadas mais memoráveis da história recente benfiquista.
Entre o pequeno susto sofrido pelo Bayern, até foi outra equipa alemã a dar que falar nestes quartos de final. O Wolfsburgo, que já tinha terminado em primeiro do seu grupo e que já tinha ultrapassado o Gent, num duelo improvável de oitavos de Champions, protagonizou uma eliminatória de muitas emoções contra o poderoso Real Madrid. Claro favorito à partida para o duelo, o primeiro dominador da competição viu-se surpreendido em terras alemãs, com um 2x0 que premiava a qualidade de um coletivo que tinha em Draxler e Schurrle duas das principais figuras. Preparava-se uma grande surpresa, até à segunda-mão e a uma das grandes exibições da carreira do Mr Champions, Cristiano Ronaldo. À boca da baliza, numa finalização fácil de pé direito, com um grande cabeceamento e, a menos de quinze minutos do final, na cobrança superior de um livre direto, CR7 levou autenticamente às costas o futuro campeão europeu (três dos 16 golos que fez, num 2016 que o próprio consideraria o melhor ano da carreira, quando distinguido como o melhor do mundo).
Entretanto, também caía uma das equipas que pouco ou nada passou por estas linhas, não por acaso. O Barcelona, campeão europeu em título, não apresentou a mesma qualidade e a mesma solidez do ano anterior e acabou por cair, pela segunda vez em três anos, diante do Atlético de Madrid de Simeone. Se, na Champions, o Real era um verdadeiro trauma para os colchoneros, o Barça apresentava-se como um adversário estranhamente talismã. O que não foi nada talismã foi o novo regresso de Guardiola a Espanha para disputar as meias-finais. Mais uma derrota, desta vez pela margem mínima, num momento de grande inspiração de Saúl. Em Munique, um jogo de muitos nervos, com o gigante bávaro a empatar a eliminatória, a falhar uma grande penalidade pouco depois, a sofrer o empate, a reacender a esperança na segunda parte e a ver o seu guarda-redes dar um ânimo especial ao defender um penálti a pouco mais de cinco minutos do final. Um grande Neuer que não impediu mais uma desilusão europeia de Guardiola e mais uma página brilhante escrita por Simeone na história centenária do Club Atlético de Madrid.
Para mal da Champions 15/16, a outra meia-final não teve grande espetáculo, muito menos foi palco de uma qualquer demonstração de nota artística. Real e Manchester City escolheram o caminho do conservadorismo, da cautela, da tática, em detrimento do talento, que não faltava em qualquer um dos lados. Depois de um nulo no Etihad, a decisão ficou guardada para o Santiago Bernabéu e para um único golo, decisivo, por sinal, que espelhou bem a pouca inspiração e arte reveladas pelos dois conjuntos ao longo dos 180 minutos. O cruzamento de Bale, que levava o caminho da área, foi desviado por Fernando para as redes de Hart. Estava consumada mais uma final madridena.
Tal como aconteceu durante quase todos os 180 minutos de Lisboa, o Real foi mais forte na primeira parte, com o golo de Ramos a dar total justiça ao marcador. O pior, para Zidane e companhia, chegaria depois, uma vez que o Atlético se transfigurou após o intervalo, desfilando sob o relvado a versão mais acutilante dos colchoneros. A entrada de Carrasco ajudou, mas, antes do francês levar o jogo para mais um tempo-extra, Griezmann tremeu na marca de grandes penalidades. Ninguém soube marcar no prolongamento e, no momento de todas as decisões, foi Juanfran a não ter a frieza suficiente. Oito anos depois de ter falhado no desempate de Moscovo e ter quase oferecido uma Champions ao Chelsea, Cristiano Ronaldo pôde ser decisivo, em mais uma noite de glória do Real Madrid, agora com a lenda Zizou nos bancos. Mas era muito mais do que isso, como os anos seguintes haveriam de demonstrar, era o início de uma caminhada épica e triunfal por parte de jogadores e treinador.
1-1 (5-3 g.p.) | ||
Sergio Ramos 15' | Ferreira-Carrasco 79' |