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    Viagem por uma das lesões mais temidas

    A praga do ligamento cruzado anterior: «No futebol dão-se mais de 50 por cento das lesões»

    Thibaut Courtois. Ivan Perisic. Éder Militão. Gavi. Neymar. Leah Williamson. Vivianne Miedema. Beth Mead. Catarina Macario. Giulia Gwinn.

    Não somos selecionadores, nem tão pouco isto é uma convocatória, ainda que o pudesse ser. Quanto muito, uma lista com nomes (muito incompleta, diga-se) que, em diferentes momentos num passado recente, constaram em fichas médicas que um cirurgião folheou antes de, imaginamos nós, uma conversa animadora com o paciente, algo como 'o seu joelho vai ficar como novo e vai estar de volta num pestanejar', mas com muitos termos específicos e difíceis de pronunciar pelo meio.

    Múltiplos nomes, no masculino e no feminino. Estrelas do nosso contentamento que foram «encostadas» por um longo período. Caro leitor, bem-vindo à praga que recentemente tem assombrado o futebol profissional: a rotura do ligamento cruzado anterior.

    Desde o início da temporada, só na vertente masculina e nas chamadas big 5, já foram diagnosticadas mais de 20 lesões deste tipo. Vivem-se tempos em que um comunicado de um clube a retratar tamanho infortúnio de um dos seus atletas é administrado numa dose quase semanal. O mote para esta reportagem estava, por isso, dado e a pergunta original e que vai desencadear toda esta viagem - à qual o convidamos a juntar-se - é simples: porque é que isto está a acontecer de forma tão frequente? Aperte o cinto, sente-se e embarque connosco nesta jornada onde procuramos a resposta à pergunta para jackpot.

    Incidência está a aumentar

    @Hospital de São Francisco do Porto

    Antes de mergulharmos em pormenores para as muitas perguntas que podem surgir sobre o tema, sentimos a necessidade de tentar resolver o mistério: esta lesão tornou-se ou não mais frequente? «A incidência tem aumentado», esclareceu-nos de imediato Miguel Quesado, que divide a arte da ortopedia entre o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho e a TrueClinic.

    «Há fatores que levam, e que podemos controlar de certa forma, ao aumento destas lesões. São os chamados fatores extrínsecos ou modificáveis», explicou-nos, antes de apresentar o primeiro conceito específico: «O futebol é o desporto onde se dão mais de 50 por cento das lesões do cruzado, por causa do mecanismo de lesão, o mecanismo de pivot. Envolve muitas mudanças súbitas de direção, acelerações e desacelerações. O mecanismo de pivot é o que está implicado na maioria das roturas do cruzado.»

    Que tipos de fatores em concreto levam, então, ao aumento da incidência da lesão nos últimos tempos? «A sobrecarga de treino em idades muito jovens, que faz com que cada vez mais vejamos jovens com 12 ou 15 anos e com roturas do cruzado, que antigamente não apareciam muito. Para além da sobrecarga, outro fator extrínseco é o próprio piso, nomeadamente o sintético. São estes alguns dos fatores que podemos e devemos controlar.»

    qO futebol é o desporto onde se dão mais de 50 por cento das lesões do cruzado
    Miguel Quesado

    A subida dos números pode explicar-se também com... a evolução da própria modalidade. «Há um aumento crescente da prática de futebol em todas as camadas. Cada vez temos mais pessoas a jogar desde jovens, também no sexo feminino. A incidência está a aumentar não só nos rapazes, mas também nas raparigas. É cada vez mais frequente esta rotura em indivíduos jovens, na pré-adolescência», contou-nos. Mais praticantes, mais lesões. Parece tão simples quanto a mais básica das operações matemáticas.

    O aumento de praticantes leva a que o número de lesões, não só esta como também outras, aumente. Mas falamos também de um aumento em idades mais jovens: a rotura do ligamento cruzado anterior está a aparecer cada vez mais cedo. «Não tem só a ver com a carga, mas com a introdução de prática desportiva de alta competição numa fase muito precoce. O grau de competitividade é cada vez maior e há diferenças na exigência e no treino, que se notam em alguns clubes cuja intensidade é diferente e isso tem implicação. Muitos dos miúdos, numa fase precoce, acabam por ter uma imaturidade esquelética associada, não têm uma parte muscular totalmente capacitada para determinada tipologia e intensidade de treino/jogo. Por si só, já é um fator de risco. Aliando todos os outros, aumenta o risco de forma exponencial», disse-nos Miguel Quesado.

    Não é o fim, mas impacto é significativo

    É uma pancada forte, mas não é o fim. A rotura do ligamento cruzado anterior deixa marcas para a vida, como faz questão de nos explicar Miguel Quesado, mas, geralmente, não significa o fim de carreira de forma precoce. Agora em relação à performance desportiva, a conversa é outra: «A maior parte dos doentes dificilmente retoma na totalidade a performance desportiva em relação ao nível pré-lesão. É difícil ter uma performance exatamente igual. Há sempre alguma diferença, seja a nível de força, de velocidade ou da parte técnica», afirmou.

    @Getty /

    É possível ter uma carreira ao mais alto nível, mas haverá algum preço a pagar depois de pendurar as botas? Que impacto pode ter uma lesão destas no longo prazo, quando o futebolista trocar os relvados dos maiores estádios do Mundo pelo de um pequeno retângulo no jardim de casa onde só quer trocar uns passes com o filho? «Uma grande percentagem das lesões do cruzado anterior estão associadas a lesões do menisco e/ou da cartilagem. É importante perceber que a rotura do cruzado, por si só, tem implicações a nível de uma degeneração mais precoce do joelho, a evolução para uma artrose.»

    9 é número mágico

    Um dos aspetos que faz com que esta lesão chame mais a atenção do que qualquer outra é o prolongado período de recuperação que implica. Para que tenhamos noção, existem cirurgiões que não recomendam o regresso à atividade desportiva até que estejam feitos 12 meses após a intervenção cirúrgica.

    qA maior parte dos doentes dificilmente retoma na totalidade a performance desportiva em relação ao nível pré-lesão
    Miguel Quesado

    «Nunca aconselho o regresso antes dos nove meses, acho que é o período mínimo. Fora de Portugal falam de períodos mais alargados, os tais 12 meses. Isto depois será direcionado de acordo com o tipo de doente. Se for um atleta de clube grande, que tem uma equipa estruturada e tem depois um acompanhamento personalizado de preparador físico, fisioterapeuta, fisiatra... Há um protocolo com maior detalhe. Quando são atletas amadores, que não têm essa possibilidade, também recomendo os 12 meses. Nove meses acaba por ser o tempo mínimo de que o ligamento precisa para se integrar biologicamente no joelho, o chamado processo de ligamentização. Até que esteja concluído este período há sempre um risco acrescido de uma nova rotura se não forem cumpridos os critérios de reabilitação», esclareceu o especialista em ortopedia.

    Na ausência de uma receita milagrosa para impedir, o melhor que se arranja são alguns ingredientes para prevenir: «O aquecimento e todo o trabalho pré-treino ou pré-jogo é essencial para prevenir qualquer lesão desportiva. Pode reduzir a lesão do cruzado e não só», contou-nos Miguel Quesado. E acrescentou: «Nos fatores que sejam dependentes do próprio doente, [prevenir] tem a ver sobretudo com a parte muscular. Um atleta que tenha uma boa aptidão física, com um bom controlo e coordenação muscular, acaba por ter uma maior proteção para este tipo de lesão.»

    Drama maior no feminino: mulheres são mais afetadas

    O problema é geral, mas parece acentuar-se na vertente feminina. Estudos indicam que a mulher tem uma probabilidade seis vezes maior de contrair uma rotura do LCA em relação ao homem. Se já era necessário perceber o porquê de tantas lesões do tipo no futebol profissional nos últimos meses, tornou-se imperativo decifrar também o porquê de a vertente feminina da modalidade ser ainda mais fustigada por esta praga.

    @FPF/André Sanano

    Rita Tomás é médica da Unidade de Saúde e Performance da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e está diretamente ligada à seleção nacional feminina A. O zerozero foi ao encontro da doutora, ansioso por beber da sua experiência e a partir dela poder responder a mais algumas perguntas que se impunham. Aproveitamos para deixar já o aviso: há questões nesta história ligamentar para as quais a medicina e a ciência ainda não encontraram respostas. O caminho faz-se caminhando.

    «Algumas lesões no futebol são mais comuns nas mulheres, sendo a do ligamento cruzado anterior uma delas. A probabilidade de ter uma lesão do LCA em modalidades como futebol, basquetebol e todas as que tenham mudanças de direção pode ser entre duas a oito vezes mais», diz-nos logo. É aqui que começam as dúvidas: até ao dia, não há uma justificação única, uma certeza absoluta sobre o porquê de assim ser.

    «Não temos a certeza de qual é o fator mais importante e quando não sabemos a razão certa, temos várias hipóteses. Há uma série de fatores de risco que achamos que podem justificar esta diferença, mas ainda não há uma certeza absoluta», alertou-nos. E a lista começa: «As mulheres têm uma anatomia diferente dos homens nos joelhos, existem também as questões de biomecânica e do alinhamento corporal, fatores neuromusculares, por exemplo de questões de força da coxa e do core. A mulher tem a bacia mais larga e os joelhos um pouco mais para dentro, os chamados joelhos em valgo. Essa posição põe o ligamento em maior risco.»

    qA probabilidade de [uma mulher] ter uma lesão do LCA pode ser entre duas a oito vezes mais
    Rita Tomás

    «Por outro lado, também sabemos que nas mulheres existe uma maior dominância dos músculos da parte da frente da coxa, o quadriceps, em relação aos posteriores, que são os isquiotibiais. E os isquiotibiais são importantes nesta história porque ajudam a estabilizar o joelho. As mulheres também têm menos força no core - abdominais, glúteos -, que ajuda a estabilizar o joelho nos momentos de desequilíbrio, em que estamos a mudar de direção ou a aterrar depois de uma jogada aérea.»

    Ciclo menstrual pode influenciar

    Uma diferença simples e ao mesmo tempo complexa que separa homens e mulheres é o facto de as últimas terem um ciclo menstrual. Uma vez mais, recordamos as palavras de Rita Tomás sobre a inexistência de certezas absolutas, mas ouvimos com atenção a explicação sobre como este pequeno grande pormenor pode mudar tudo.

    «Pensa-se muito nas diferenças entre os homens e as mulheres e em que deve haver alguma razão ao nível hormonal. As hormonas femininas e a flutuação delas durante o ciclo menstrual podem influenciar o risco de lesão. Na realidade, ainda não temos a certeza porque é que isto acontece. Há quem diga que é porque algumas estruturas anatómicas nas mulheres são mais estreitas onde passa o ligamento ou porque o ligamento tem menos força tênsil, ou seja, resiste menos ao estiramento», começou por nos explicar sobre esta temática.

    Sugerimos que memorize esta palavra: estrogénio. «É uma hormona conhecida por reduzir a rigidez do tecido conjuntivo ou dos ligamentos», atirou, antes de acrescentar: «Julga-se que as mulheres, porque estão mais sob efeito de estrogénios, pelo menos em algumas partes do ciclo menstrual, possam estar mais em risco. Poderia tornar as mulheres mais sensíveis em algumas partes do ciclo menstrual, onde o estrogénio está mais elevado». Uma vez mais, a ciência está em constante evolução e ainda não dá certezas. «Não há conclusões definitivas. Portanto, achamos que deve ser uma mistura e uma interação de vários fatores», afirmou.

    «Não podemos tentar explicar tudo só com hormonas»

    Há diferenças anatómicas, hormonais, mas a explicação não termina aí. O ambiente no qual se dá o desenvolvimento desportivo da mulher, por comparação com o homem, também pode ter um papel importante.

    @Getty /

    «Uma linha de pensamento que tem aparecido ultimamente e que penso ser muito interessante é tentar sair dos fenómenos fisiológicos e pensar que a mulher atleta, às vezes, tem um ambiente de treino e desenvolvimento desportivo próprio que é ainda diferente. Um jogador jovem que vá ser de elite tem um acompanhamento desde pequeno, trabalha nas academias dos clubes, onde é fomentado o treino de força, o treino neuromuscular. Por exemplo, as nossas jogadoras que agora são seniores não tiveram essa experiência. O ambiente não é exatamente igual», partilhou connosco.

    «Há esta ideia que, para além da fisiologia, é o próprio ambiente que ainda rodeia as mulheres atletas por comparação com os homens, pelo enquadramento, pelo acompanhamento médico, o tipo de relvado onde treinam, o horário em que treinam, o tipo de acesso a treinadores e pessoal de saúde. Não podemos tentar explicar tudo só com as hormonas», rematou.

    A pesquisa é constante, de forma a procurar as respostas para todas as perguntas, mas a existência de vários fatores é um entrave. «Era ótimo que houvesse só uma causa», desabafou Rita Tomás, mas os sinais são animadores: «Hoje em dia, já aceitamos que uma lesão é uma interação de fatores de risco e é muito complicado estudar interações, que são sistemas complexos. Temos que isolar fatores de risco e é complicado de fazer em termos de investigação, porque só podemos manipular uma variável.»

    O caminho é sempre o da descoberta, mas enquanto não chega a resposta para o milhão de euros, Rita Tomás agarra-se ao que já é conhecido para terminar: «Não há razão para não aplicarmos o que já se sabe. Há muita coisa que ainda não se sabe, mas há algumas que já se sabe que funcionam. Isso que não nos sirva de barreira.»

    Bélgica
    Thibaut Courtois
    NomeThibaut Nicolas Marc Courtois
    Nascimento/Idade1992-05-11(32 anos)
    Nacionalidade
    Bélgica
    Bélgica
    PosiçãoGuarda Redes

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