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Zerozero conversou com Rui Figueiredo

Da estreia na Luz ao título com Ronaldo: conheça a nova cara do Popular de Barcelos

* com Cristiano Tavares Faria

«Lembras-te do Rui Figueiredo? Sim, o que jogou no Gil Vicente e nas seleções jovens. Assinou por uma equipa do Popular de Barcelos...». De uma simples conversa surgiu o mote para esta reportagem, caro leitor. 

Após curta investigação, lá encontrámos nas redes sociais da JCR Perelhal. Com pompa e circunstância devido ao passado de sucesso, em que partilhou balneário com grandes craques nacionais e teve uma estreia precoce logo no antigo Estádio da Luz, Rui Figueiredo era confirmado aos 39 anos como contratação deste modesto clube minhoto para a época 2022/23.

Daqui até à conversa com o antigo campeão europeu Sub-16 e vencedor do Torneio de Toulon foi um passo. De tom bem-humorado e dedicado a uma nova profissão, o zerozero descobriu os motivos que levaram Rui Figueiredo a regressar ao futebol, além de histórias a envolverem Cristiano Ronaldo e confissões sobre a lesão grave que mudou o rumo da sua carreira. A pensar em todos, mas em especial nos mais nostálgicos.

Catedral da Luz, o palco da estreia ©SL Benfica

Zerozero - Quase 22 anos passaram e continuas a ser o mais jovem titular do Gil Vicente na I Liga, logo no antigo Estádio da Luz. Como viveste aqueles dias antes desse jogo e em que momento percebeste que ias ser titular? 

Rui Figueiredo - Na altura tinha idade de juvenil e jogava nos juniores. Fui aos seniores fazer uma semana de treinos, com o Luís Campos na altura. Os primeiros dois treinos, na terça e na quarta, correram muito bem e o Luís pediu que fosse fazer um jogo-treino na quinta-feira, já não me lembro contra quem. Sei que joguei muito bem e ele falou logo comigo e disse-me "Olha, é para jogares já domingo, estás preparado?". Eu respondi que sim e fomos fazer o contrato profissional, algo que não tinha na altura. Fomos à Liga para tratar da papelada da inscrição, fui para estágio e joguei a titular.

ZZ - E memórias da partida? Um grande choque para um miúdo de 17 anos?

Rui Figueiredo
Gil Vicente
Total
22 Jogos  686 Minutos
1   2   0   02x
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RF - O aquecimento e aqueles primeiros cinco, dez minutos ainda foram um bocado nervosos. Fomos ganhando um bocadinho de confiança à medida que fomos tocando na bola. O Benfica também estava a passar uma fase um bocado difícil, não era aquele Benfica, Benfica, não é? Até podia ter feito um ou dois golos. Um de livre, na altura com o Robert Enke [guarda-redes encarnado] e tudo. Ainda tenho os recortes dos jornais e acho que fui dos melhores em campo.

ZZ - A tua afirmação acaba por ficar marcada, mais tarde, por uma lesão bastante grave...

RF - Tinha 17 anos e depois continuei a jogar até ao final da época, quase sempre a titular. No início da temporada seguinte tive uma chamada à seleção, na altura para a qualificação para um Europeu, em Itália e lesionei-me num joelho. Supostamente a recuperação era até ao final do ano, mas estive a época toda parado. Ainda continuei a treinar, forcei ali um mês, porque era uma lesão um bocado complicada com cartilagem e tudo mais, mas estive basicamente um ano parado. O regresso já foi muito mais difícil, entre operações e recuperações foi quase um ano inteiro parado.

qHoje sei que a minha recuperação da lesão foi muito fraca

ZZ - Sentes que o processo de recuperação foi bem gerido?

RF -  Sabendo o que sei hoje, agora que estudo a área [Personal Trainer], percebo que a minha recuperação foi muito fraca. O trabalho foi quase todo feito dentro do campo e hoje em dia 50 ou 60% da recuperação é feita fora, com trabalho de ginásio, fisioterapia e tudo mais. Prepara-se muito mais o jogador para quando for para campo já estar a 100%. Lembro-me perfeitamente que fui a vários médicos antes de ser operado, quem me operou foi o Dr. José Carlos Noronha, e ele disse-me que da forma como eu jogava nunca mais ia ser igual. Uma lesão complicada, na cartilagem, nunca mais ia ser o mesmo. Ia ter de me adaptar, porque ia perder algumas características que tinha. Eu era bastante rápido, drible bom e ia perder um bocadinho. Tive de me adaptar...

ZZ - A lesão acabou por ditar muito do que foi a tua carreira?

RF - Sim... Hoje em dia não sei como seria se não me tivesse lesionado, mas o que é certo é que mudou a minha maneira de jogar. Passei mais para o meio, jogar por dentro, passei de extremo para médio ofensivo. O que é certo é que continuei lá no Gil e jogava, mas nunca fui um titular indiscutível. Consegui, no entanto, fazer sempre o percurso até à seleção de sub-21.

©Getty / GERARD JULIEN

ZZ - Falaste nas seleções. Tiveste com as Quinas ao peito um percurso de grande sucesso em que foste campeão europeu Sub-16 (2000) e venceste o prestigiado Torneio de Toulon. Acredito que guardes memórias muito boas desses momentos da tua vida.

RF - Do Europeu em Israel tenho poucas mesmo, porque tínhamos 16 anos, mas lembro-me de algumas coisas. Toulon já foi mais recente e é com um grande orgulho que posso dizer é que joguei com o melhor do mundo

ZZ - Claro que tenho de falar contigo sobre o Cristiano Ronaldo. Já vias nele capacidade para se tornar num ´monstro` com a dimensão que tem atualmente?

RF - Curiosamente, quem jogava a titular era eu, o Hugo Almeida e o Lourenço na frente. O Cristiano apareceu no último dia de estágio. Nem treinou, entrou no autocarro e seguimos para Toulon. Chegámos lá para meter as nossas coisas no hotel, dormir e no dia a seguir tivemos jogo com a Inglaterra. Ele entrou logo de caras no onze e eu fiquei no banco. Não o conhecia na altura e eu "Deixa ver quem me tirou o lugar". O que é certo é que sentei-me no banco e a primeira vez que ele toca na bola, baixei as meias, tirei as chuteiras e disse "Já não jogo mais" [risos]. Era incrível, já era incrível na altura e tudo que dizem dele fazer aqueles treinos extras, isso é tudo verdade.

ZZ - Alguma lembrança mais curiosa dele?

RF - Lembro-me que tínhamos torneios de Playstation nos quartos e entre os jogos na consola ele fazia abdominais, flexões, tudo, não parava. Depois dos treinos ficava a bater livres, a fazer jogadas e tudo mais. Era um fenómeno no talento e na dedicação!

ZZ - Há outro craque que te tenha marcado dos teus tempos de seleção?

RF - Para mim o melhor de todos era o Quaresma. Era um craque autêntico. Tudo que queria ele fazia com a bola, era incrível. Joguei com ele dos 14 aos 21 anos e ele sempre foi diferenciado.

ZZ - E alguém que não tenha tido a carreira que esperavas?

RF - Tínhamos um avançado na altura que foi aos sub-21, o Sílvio, do FC Porto. Um avançado potente, fortíssimo... Também foi muito cedo treinar com os seniores do Porto e depois desapareceu e nunca mais ouvi falar dele. De resto, todos nós tivemos carreiras mais ou menos boas. O Hugo Viana, o Raúl Meireles, o Custódio, o Danny, o Hugo Almeida e outros mais baixo um bocadinho, como eu, o Bruno Vale, etc...

ZZ - Anos mais tarde, em 2007, emigras para Chipre. Que realidade encontraste durante aquele período?

RF - Desci com o CD Aves e acabei por ir para lá, a nível monetário era bastante interessante, apesar de ir bastante às escuras. Não sei se tu sabes, mas na primeira fornada foi o Tiago Carneiro, o Carlos Marques, o Bernardo Vasconcelos, quando cheguei eles já lá estavam, mas aquilo ainda era muito amador. Tinha duas ou três equipas muito boas, as outras eram basicamente três ou quatro estrangeiros e o resto tudo cipriotas. Normalmente os estrangeiros eram todos jogadores ofensivos.

ZZ - O Chipre tinha alguma má reputação devido a incumprimentos com futebolistas. Tiveste algum problema nesse aspeto?

RF - Por acaso tive sorte. Conheci vários casos de colegas meus, portugueses, brasileiros e tudo mais que passaram dificuldades. Não recebiam ou então [tinham] contratos que não eram contratos, casas que não eram casas, etc. No último ano que vim embora, tive ali uma dificuldade, mas sempre me pagaram, por acaso nesse aspeto tive sorte. Atrasava, como aqui em Portugal também atrasava, mais até aqui do que lá, mas sempre me pagaram. A nível de país é um espetáculo. Depois aquilo foi evoluindo, eu estive lá vários anos e a partir do segundo ano em que estive lá o salto foi muito grande. Abriram as portas a mais jogadores e treinadores estrangeiros.

ZZ - E o país? Imagino que existem sítios piores para se viver...

RF - [Risos] Se pudesse ia para lá outra vez... Sem dúvida nenhuma.

©Arquivo Pessoal

ZZ - É no regresso a Portugal que começas a pensar no pós-carreira?

RF - Eu depois do Chipre vim aqui para o Varzim. Na altura na II Divisão B e nós fizemos a subida de divisão para a segunda liga. Foi numa fase em que o Varzim não conseguiu dinheiro para inscrever a equipa, esteve na II Liga, mas voltou outra vez para a II B. Passámos muitas dificuldades a nível de salários e tinha de começar a pensar noutro tipo de coisas. Fui pelos meus gostos e comecei a seguir essa linha dos treinos, fui fazendo um curso de quase dois anos...

ZZ - O futebol começou a passar para segundo plano?

RF - Nos últimos anos até acabar já dividia o futebol com o curso ou o trabalho que tinha num ginásio. Depois surge a família, comecei a ter filhos e no fundo uma pessoa tem de perceber que não tem 20 anos, já não dá para pensar que o futebol é para toda a vida. Chegou a uma altura em que disse "Chega por aqui", porque mais que isto também não consigo. Foi aí que deixei o futebol. Nem fiz nenhuma comunicação. Da mesma forma que comecei também acabei.

O novo relvado sintético da JCR Perelhal ©JCR Perelhal

ZZ - Foste recentemente anunciado no Perelhal, após dois anos sem ligação a um clube. O que te levou a aceitar este desafio para jogar no Popular de Barcelos?

RF - Ainda continuo a jogar com os meus colegas e há sempre aquele bichinho da bola. Depois foi uma questão profissional também porque o presidente [Gil Rosendo] está a trabalhar num centro de treinos para atletas de alta competição. A conversa fluiu para o futebol e ele perguntou-me se não queria ajudar o pessoal. As condições do clube são boas com um sintético novo e eles perceberam a minha reduzida disponibilidade. Vou ajudar no que conseguir e vai ser uma experiência engraçada.

ZZ - Acredito que estejas ciente da fama do Popular de Barcelos envolver grandes paixões, no campo e nas bancadas...

RF - Pois [risos]. Lembro-me quando jogava à bola tinha colegas meus que deixaram o futebol e jogavam no Popular. Ainda cheguei a ver alguns jogos, estamos a falar de há dez, 15 anos atrás, em que ainda havia muitos jogos renhidos, muita confusão e cada lance era sempre uma discussão. Sempre amarelos para todo o lado. Sinceramente não estou muito preparado para isso [risos], porque o meu estilo de jogo nunca foi esse. Quando estivermos lá dentro vamos ver.

ZZ - Pareces bem resolvido com o teu percurso, mas há algum arrependimento em relação à tua carreira?

RF - Aplicava-me muito mais. Houve uma altura na minha carreira a seguir à lesão, em que ia à seleção, jogava na I Liga e tinha tudo muito fácil. Não trabalhei o suficiente para que as coisas continuassem a acontecer e depois desleixei-me muito. Também não ia para o Chipre tão cedo, tinha ficado aqui mais uns anos e provavelmente tinha jogado mais tempo na II Liga e I Liga. Se tiver de dar um conselho a um jovem que ambiciona ser futebolista é como o Ronaldo diz: só o talento não chega. Eu tinha muito talento, mas a dada altura da minha carreira devia ter tido outro empenho.

Associação Juventude Cultural e Recreativa de Perelhal, fundada em 1962 ©JCR Perelhal



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