Se a Taça de Portugal é realeza em forma de uma prova desportiva, então que bem cai nas Caldas da Rainha. Foi um dia de verdadeira festa, tão bela que ninguém quis dar como terminada, e assim o jogo entre um emblema da Liga 3 e um de Liga dos Campeões foi até às grandes penalidades.
O Benfica sorriu no final, graças a uma eficácia exemplar nos penáltis, mas todos os caldenses vão recordar esta noite com um sorriso. Isso é certo.
Motivação e empenho máximo de todos os jogadores do Caldas não surpreende, devido à dimensão da ocasião, mas a forma como entraram em campo teve um certo fator surpresa. O capitão, Thomas Militão, já tinha prometido que a equipa da casa não ia estacionar autocarros à frente da sua baliza, mas houve uma outra máquina a operar no Campo da Mata.
A sensação de que o jogo podia terminar com o tombar de um gigante foi palpável no ar, especialmente quando, ao 38.º minuto, João Silva atirou ao poste com um pontapé espetacular. Sons de um trombone triste, oriundos da orquestra da claque caldense, para fechar o primeiro tempo.
O futebol do Benfica estava longe do seu melhor, e era evidente a necessidade de mexer ao intervalo. Sabendo que não há arte sem musa, Roger Schmidt foi ao banco procurar inspiração, com sucesso quase imediato. Petar Musa precisou de poucos minutos em campo para superar a prestação de Rodrigo Pinho, com uma postura lutadora, e também não demorou muito para mexer o marcador.
Depois de aproveitar um erro de António Silva, Gonçalo Barreiras ficou isolado e apontou ao meio das pernas de Helton Leite para fazer o golo. Um momento inesquecível, para o jovem que há poucos meses representava a equipa B, na última divisão da distrital de Leiria.
O aperto do tempo colocou a pressão do lado encarnado. A águia não queria o prolongamento, e como tal instalou-se um futebol de urgência, que continuou a esbarrar na boa exibição de Wilson Soares. O guarda-redes do Caldas já tinha travado o bis de Musa mais do que uma vez, quando negou o golo também a Diogo Gonçalves.
Seria o mesmo Enzo, alguns minutos depois, a abrir o desempate por penáltis com o primeiro pontapé certeiro. O desperdício caldense na sua primeira tentativa não teve qualquer perdão, com o Benfica, ainda invencível, a marcar todos e a seguir para os 16-avos-de-final. Na festa da Taça o Benfica venceu, mas não foi o único a ganhar.
Um estádio à antiga, no meio da mata. Uma orquestra na claque, com luz verde para assumir o comando das operações durante todo o intervalo. Um grupo especial de adeptos, que tiveram a oportunidade de receber o líder destacado da Primeira Liga e ver a sua equipa dar luta até ao último instante. Só na Taça de Portugal!
A longo-prazo pode até ser uma noite de boa memória, mas por enquanto o sabor é amargo para as gentes das Caldas da Rainha. David não superou Golias, mas levou-o ao limite e, como tal, merecia qualquer coisa para festejar.