A luta pela sobrevivência não se compadece com romances de cordel. Se a barriga dá horas, não faz sentido desfilar de Gucci pela avenida da Liga. O realismo pedia alimento, combate, e foi isso que César Peixoto ofereceu ao Paços nos Arcos.
Nove meses e cinco dias depois. Repetimos: nove meses e cinco dias depois, os castores voltaram a ganhar um jogo oficial. De 9 de abril de 2022 [Marítimo, 2-0 na Mata Real] até este 14 de janeiro, o Paços fez 24 partidas, trocou de Peixoto para José Mota e de Mota para Peixoto, sempre sem ser capaz de ganhar. Inimaginável.
O sangramento, abundante, cessou nos Arcos. Um golo de Nigel Thomas, na primeira parte e de bola parada, devolveu a honra e alguma esperança ao histórico emblema pacense.
O cenário é negro e continuará negro por muitas semanas - na melhor das hipóteses. Apesar da vitória, importantíssima, o Paços vai para a última ronda da primeira volta com seis pontos. Assustador, pese este sopro de vida.
As ideias de César Peixoto são outras. Mais atraentes. Controlo do jogo com bola, passe curto e seguro, desequilibrar no último terço e manter as linhas num plano médio/alto.
Utópico.
Bloco baixo, cerrado, com cinco elementos (Rui Pires foi mais central do que médio); capitalizar a velocidade de Nigel Thomas e Zé Uilton nas saídas rápidas para o ataque; aproveitar as bolas paradas ofensivas.
E foi um destes últimos momentos a decidir o jogo. Thomas bateu na esquerda, Emmanuel Boateng fez-se à bola e não lhe tocou, Jhonatan ficou surpreso e reagiu mal.
Faltava mais de uma hora para o fim e o Rio Ave não teve tempo para chegar, sequer ao empate. Exibição paupérrima dos vilacondenses, num jogo que lhes podia ter dado o sétimo lugar.
É estranho perceber a opção de Luís Freire em manter os três centrais até ao minuto 72 - e mesmo depois, o lateral Costinha compôs o trio.
Ora, perante um Paços que deixava Guedes isoladíssimo na frente - e que grande exibição todo-o-terreno fez o avançado -, o treinador foi mudando peças, mas só para refrescar e mudar as características dos executantes. Não chegou.
O meio-campo tocava para o lado e para trás, Boateng e Ruiz (depois Aziz) não tiveram jogo, os laterais/alas Costinha e Paulo Vítor não foram capazes de desequilibrar na frente. O Paços, embora defensivo, esteve quase sempre confortável.
O Rio Ave teria de ser uma lancha veloz para saltar o recife amarelo. Nunca deixou de ser um barco a remos. A ideia de Freire falhou, o pensamento de Peixoto vingou.
E assim se ganha um jogo de futebol.
0-1 | ||
Nigel Thomas 33' |
Foi uma estratégia esteticamente bela? Não. O Paços ganhou pela primeira vez? Sim. Conclusão: mérito absoluto para o treinador dos castores, consciente do que o jogo exigia.
Luís Freire optou por manter até aos 72 minutos os três centrais: Santos, Josué e Patrick William. O Paços teve só o exemplar Guedes na frente, nunca mostrou querer mais do que isso, mas o treinador vilacondense só abdicou dessa estrutura defensiva na fase final. Estranho.