Quando, a cinco minutos do fim, o veterano Burak Yilmaz rematou para as nuvens que cobrem o Douro o penálti que a Turquia ganhara instantes antes, Portugal respirou fundo, agarrou-se aos terços, ajoelhou-se e agradeceu a todos os santinhos do futebol.
O Mundial do Catar ficou mais perto, mas o que resta da caminhada não pode ser feito nesta Via Sacra que é o futebol da Seleção Nacional.
Num pensamento que é, vezes a mais, um beco sem saída, os artistas parecem proibidos de pensar e limitam-se a sofrer. Portugal ganhou, sim, mas com que sorriso? Amarelo? Forçado? Apreensivo? Tudo isso.
Otávio Edmilson da Silva Monteiro, nado e criado em João Pessoa, capital da Paraíba, vestiu portugalidade da cabeça aos pés e resolveu muitas das dores que apoquentam Fernando Santos.
No Dragão que tão bem conhece de outras núpcias, o filho caçula da dona Cláudia Mendes e do seu Otávio Júnior marcou o primeiro golo e ofereceu o segundo a Diogo Jota, com tanto de técnica e saber como de raça e paixão.
Fossem todos como Otávio neste Portugal sofredor.
Último lance no Dragão. João Félix desperdiça o 4-1 e oferece a recarga a Cristiano. O pé direito multiplatinado de Ronaldo atira, a bola bate na barra e o avançado repete o gesto que mais faz ao longo do jogo: cabeça baixa, esgar de desilusão.
Cristiano é o melhor português na história do futebol. Um dos melhores de sempre nas enciclopédias do jogo. Ninguém lhe tira isso, ninguém lhe pode tirar. Mas Cristiano não tem imunidade diplomática e a crítica faz parte da análise.
Além de nada ter produzido de vistoso, o que mais impressionou foi a forma desligada com que Cristiano esteve em campo. Se a bola não lhe chegava como queria, Cristiano protestava; se a bola lhe era bem passada, Cristiano complicava.
Terça-feira, contra a Itália (perdão, Macedónia), Portugal precisa do melhor marcador da história do futebol. Sem amuos, sem limitações. É esse o Cristiano que queremos de braçadeira de capitão, comprometido, influente, craque.
Este, o que apareceu frente à Turquia, é uma ofensa à sua maravilhosa carreira. Invisível.
Futebol. Da parte portuguesa teve instantes razoáveis até ao intervalo, apesar dos problemas assustadores na primeira fase de construção. Contámos três passes errados em zona proibida, mesmo com a Turquia a fazer uma pressão frouxa.
A atacar, Otávio e Bernardo Silva faziam coisas bonitas com bola e Diogo Jota confirmava ser um finalizador de elite. O Tavinho, lá de longe, de João Pessoa, fez o 1-0 na recarga a um remate de Bernardo ao poste e ofereceu o segundo para Jota marcar de cabeça.
Nos últimos cinco minutos, Portugal viu a Turquia a falhar uma grande penalidade e ficou a saber que a poderosa Itália teve de cancelar os bilhetes de avião para o Porto.
A fé do engenheiro ainda vai fazendo os seus milagres. O povo agradece.
Depois de Otávio - o destaque do zerozero nas FIGURAS -, a melhor notícia da noite terá saído da exibição de Diogo Costa. O guarda-redes do FC Porto fez apenas o segundo jogo na Seleção A e esteve perfeito. Terminou a era Rui Patrício?
Pepe e Rúben Dias estão de fora, José Fonte e Danilo fizeram o que puderam. Fortes no ar, na marcação, mas muito limitados sempre que eram obrigados a controlar o espaço nas costas - profundidade. A equipa sobreviveu.