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    Sturm Graz

    Texto por Ricardo Miguel Gonçalves
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    Com imponente nome de tempestade e comportamento que se assemelha a uma, o Sturm Graz construiu uma história rica ao longo de mais de um século de existência. 

    Começou por passar décadas na sombra dos gigantes de Viena, contra quem foi impedido de competir, e é noutra sombra - a de Salzburgo - que vive a sua era moderna, mas mesmo assim conseguiu rechear o museu com mais de cinco títulos nacionais...

    A tempestade de Graz

    Diz a lenda que o nome deste clube foi inspirado numa tempestade («sturm», em alemão) que assolou a cidade de Graz no dia da fundação do mesmo: o distante 1 de maio de 1909.

    Os historiadores discordam dessa visão romântica, uma vez que o DBC Sturm Prague, um entretanto extinto clube da antiga Checoslováquia, esteve de visita à segunda maior cidade da Áustria em meados de abril e por isso foi, muito provavelmente, a verdadeira inspiração.

    A história começa em Augarten, um parque que servira de palco para todas as aventuras dos estudantes de Graz durante a primeira década desse século XX. A maior paixão dessa juventude era o futebol, divertido desporto que chegara de Inglaterra nos últimos anos do século anterior, e dois miúdos se destacam constantemente: Fritz Longin, dono de uma bola de couro, e o colega Karl Aßmann.

    Inseparáveis, sob pseudónimos sonhadores - chamavam-lhes de Assam del Negro e Longino, como uma dupla de super-heróis - criam uma reputação vitoriosa no parque. Ao fim de alguns anos, no tal primeiro de maio, criam um verdadeiro clube de futebol. Assim nasce o Sturm Graz, que não muito depois assume o preto e branco como cores e uma bandeira com um «St» cosido, símbolo que até hoje perdura.

    Augarten, o parque onde tudo começou... @SK Sturm Graz
    Menos de três anos depois, com a formação da Associação Alemã-Alpina de Futebol (mais tarde Associação de Futebol da Estíria) e a criação dos respetivos estatutos, o clube legaliza-se e deixa de ser um agregado de estudantes entre os 16 e os 18 anos, e participa na primeira edição deste campeonato local, que vence, e volta a sagrar-se campeão no ano seguinte.

    Com esses dois títulos, é convidado a jogar, em 1914, um jogo de acesso ao campeonato nacional da Áustria, mas esse potencialmente histórico duelo nunca chega a acontecer devido à eclosão da Primeira Guerra Mundial. Vários atletas do Sturm Graz, jovens na flor da idade, perderam a vida nos campos de batalha.

    No pós-guerra, em 1919, termina a década de nomadismo em torno do Augarten, com o clube a instalar-se na sua primeira casa permanente: Sturm-Platz, ou, como viria a ser conhecido esse estádio, Gruabn. É lá que, em 1920/21, o Sturm Graz se sagra campeão numa liga que incluía toda a região da Estíria, a segunda maior da Áustria.

    Claro que essa conquista, embora grande, surgiu num contexto amador em que o clube continuaria a existir durante largos anos. Aliás, é vários anos depois que pela primeira vez prova sucesso no contexto nacional: em 1934, em celebração dos 25 anos, o Sturm Graz não só voltou a ser campeão da Estíria (como em vários anos antes desse, num total de 11 vezes), como foi além e celebrou o título de campeão nacional... de amadores.

    Anexação da Áustria

    Só podia ser campeão nacional de amadores porque, de facto, a liga profissional da Áustria estava fechada a clubes de Viena. O Sturm, clube provincial, usou o seu sucesso para insistir que essa fosse aberta a todo o país, falhando, mas em 1935 consegue uma via para defrontar os clubes da capital: a Taça.

    O que podia ser o início de uma nova era, rapidamente se tornou num pesadelo... Foi em março de 1938 que a Alemanha de Hitler anexou toda a Áustria e o clube de Graz seguiu as regras, mesmo que historicamente não tenha tido qualquer envolvimento político.

    @SK Sturm Graz
    Desportivamente, o único positivo veio da oportunidade de disputar uma nova Gauliga, ganhando igualdade em relação aos gigantes de Viena. Consegue, em 1940, bater o WAC por 7-3 e o Admira por 9-0, mas o Sturm-Platz sucumbe no primeiro jogo frente a oposição germânica: 1-6, frente ao Nuremberg. 

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em maio de 1945, o Sturm assume-se como uma das melhores equipas do país, fruto da experiência adquirida nos anos anteriores e do talento desportivo da cidade de Graz, mas é obrigado a jogar novamente esse campeonato nacional amador. Quatro ligas e quatro taças nacionais nos primeiros quatro anos pós-guerra!

    Pelo meio, continua a desafiar os gigantes da capital da única forma que pode: a Taça. Em 1948 joga pela primeira vez a final da Taça da Áustria, que perde com um 2-0 frente ao Austria Wien, perante 38 mil espetadores. É um ano depois dessa página amarga que o clube consegue dar o passo que tanto ambicionava...

    Para 1949/50, é fundada uma nova Liga Nacional e o Sturm Graz é um dos membros fundadores, tornando-se no primeiro clube fora da capital a disputar o primeiro escalão.

    Agarrar um lugar no topo

    Começa a vida no topo da pirâmide (ou dentro dela, sequer) com um 10º lugar, o último que permite a manutenção. Fixa-se a meio da tabela nos três anos seguintes, mas acaba por descer em 1954.

    O maior representante da Estiria precisou de apenas uma oportunidade para voltar a subir, mas, quando o faz, é de imediato importunado por uma dura crise financeira, que fez com que se distanciasse cada vez mais dos clubes de Viena e de outras cidades industriais.

    Helmut Senekowitsch, que mais tarde viria a ser treinador, torna-se no primeiro jogador do Sturm Graz a vestir a camisola da seleção austríaca, mas não impede nova despromoção do clube, numa altura em que estava prestes a celebrar o seu 50º aniversário.

    A segunda passagem pelo segundo escalão durou bem mais do que a primeira. A crise financeira continuava e por isso o Sturm manteve-se no segundo escalão durante seis temporadas consecutivas, até conseguir a subida em 1966.

    @SK Sturm Graz
    Terminam em 11º no ano de regresso, mas é em 1967/68 que o clube implementa métodos profissionais sérios, à altura da sua oposição, e assim se consegue estabelecer de vez no escalão de topo. Gerd Springer é o treinador responsável por isso e pela equipa que criou uma febre de futebol na cidade!

    Com boas classificações o clube agiganta-se e em 1970, convidado para a sua estreia europeia na Taça das Cidades com Feira, regista uma das mais célebres vitórias da cidade de Graz Naquela que seria a última edição dessa já extinta competição, depois de já ter eliminado os finlandeses do Ilves Tampere, o Sturm bateu o Arsenal, campeão em título, por 1-0. Só não seguiu em frente por causa de um penálti aos 90 minutos na segunda mão, em Londres.

    Mesmo mais estabelecido que nunca, continua a enfrentar dificuldades. 1972/73 foi ano de crise desportiva, no qual só não desceu porque a liga foi expandida para 17 equipas, e em 1974 a euforia do bom arranque de temporada desvanece quando é anunciada uma redução para 10 equipas com base num ranking de cinco anos, para que nascesse a Bundesliga Austríaca. 

    Cheirava a sarilhos para o Sturm, ainda assim, contra as expectativas iniciais, a manutenção é alcançada. Assim, entra para 1974/75 como membro fundador de uma competição que dura até hoje.

    Bundesliga e Europa!

    No primeiro ano da Bundesliga Austríaca, a tempestade da Estíria consegue um respeitável quinto lugar, mas é na Taça que se destaca e consegue chegar à final pela segunda vez na história, caindo perante o poderoso Wacker Innsbruck.

    Uma vez que essa equipa já era campeã da Liga, o Sturm agarrou uma valiosa vaga para a Taça das Taças, onde conseguiu eliminar o Slavia (Bulgária) e Haladás (Hungria) antes de tombar nos quartos, frente aos alemães do Eintracht Frankfurt, quando a cortina de ferro ainda perdurava. A equipa manteve-se competente e conseguiu em 1978 o acesso à Taça UEFA, pela via do quarto lugar, mas voltou a cair perante oposição do país vizinho (Gladbach).

    Segue-se uma quebra, mas Otto Baric, treinador croata, é contratado e vira a sorte de imediato, conseguindo em 1989/81, na sua primeira época completa, guardar o primeiro lugar da Liga durante toda a primeira volta! Liderou até à última jornada, mas foi aí que falhou e, com uma dura derrota (1-4) na receção ao Rapid Wien, deixou o primeiro título nacional fugir por apenas um ponto...

    Um fracasso difícil de superar que, ainda assim, representava a melhor campanha desportiva da história do clube. 

    Na consequente Taça UEFA elimina os poderosos moscovitas do CSKA, mas tomba na ronda seguinte frente ao eventual vencedor, IFK Goteborg. Teria de esperar dois anos para uma campanha mais luxuosa a nível continental: em 1983/84, já com o Gruabn renovado e com capacidade para mais de 10 mil, elimina o Sportul (Roménia), Hellas Verona (Itália), Lokomotiv Leipzig (Alemanha) e só cai nas rondas mais adiantadas, quando sofre um penálti aos 114 minutos da segunda mão, contra o Nottingham Forest (Inglaterra).

    Por essa altura, o Sturm Graz começa novamente a tremer, com alguns altos e baixos. Consegue o terceiro lugar em 1988, mas arrisca em transferências dispendiosas que não correm da melhor forma a nível desportivo e financeiro, deixando o clube em dificuldades que nem Otto Baric consegue resolver.

    É com a crise no pico, em 1992, que Hannes Kartnig é eleito presidente, mesmo a tempo de supervisionar a despromoção que quase aconteceu em 1992/93... Foi pela via dos recém-implementados play-offs que o clube se salvou de forma heroica, após terminar no último lugar

    @SK Sturm Graz

    Gloriosos 90, à Schwarzenneger

    Alcançado o milagre da manutenção em 1993, o Sturm Graz colocou as mãos à obra para praticar mais alguns até ao final da mítica década de 90, possivelmente a mais importante na história do clube.

    O segundo milagre veio logo de seguida, em 1994, quando Kartnig contrata Ivica Osim, figura do futebol jugoslavo, para treinador. Essa chegada permitiu convencer outros jogadores teoricamente inalcançáveis e a introdução de um futebol mais atrativo, focado na técnica em detrimento do físico. O resultado é imediato: com o clube a terminar novamente como vice, dessa vez com os mesmos pontos que o campeão (Casino Salzburg). 

    Ivica Osim, histórico treinador do Sturm @Getty /
    Só a diferença de golos tirou o título, que parecia estar amaldiçoado, mas o Sturm Graz compensou esse fracasso na época seguinte, quando levantou o primeiro troféu a sério de toda a sua história: a Taça da Áustria! Um 3-1 sobre o Admira valeu o troféu e um ano depois, com um 2-1 sobe o Austria Viena, a conquista foi repetida.

    Assim se despedia o Sturm Graz, em 1997, do estádio a que chamou casa durante quase 80 anos. Festa no adeus ao Gruabn, antes da mudança para o novo Arnold Schwarzenegger Stadium - sim, o novo reduto, hoje chamado «Merkur Arena», tinha o nome da figura de hollywood que, por sinal, é natural da Estíria.

    Duas Taças aguçavam o apetite para o que faltava: um Sturm Graz campeão nacional. A equipa de Osim tinha repetido o segundo lugar em 1996 e terminado em terceiro em 1997, mas eis que em 1997/98, temporada de mudança para o novo reduto, a tempestade fez-se sentir por toda a Áustria...

    Um 0-4 no dérbi de Graz foi pontapé de saída e depois Haas, Vastic e Reinmayr, histórico tridente ofensivo, lideraram uma equipa que chegou à marcados 80 em golos e em pontos, para que o Sturm Graz se sagrasse campeão da Áustria pela primeira vez!

    O clube levantou o meisterplate da Bundesliga numa das mais brilhantes campanhas que o futebol austríaco já viu, terminando 19 pontos acima do Rapid Wien, o que foi, então, um recorde. Houve menos facilidades em 1998/99 - apenas três pontos de vantagem -, mas isso não impediu o Sturm Graz de se sagrar bicampeão e fazer um hat-trick nas Taças.

    Foi assim a década de 90, que começou com uma milagrosa manutenção e acabou com o museu do clube, até aí vazio de conquistas nacionais (profissionais), a ostentar duas Bundesligas, três Taças e ainda três Supertaças. No virar do milénio, só havia uma coisa a dizer, bem ao jeito do Exterminador Implacável que deu nome ao estádio: «I´ll be back».

    A Merkur Arena, com o seu nome original @Getty /

    Quebra e renascimento

    À altura das conquistas nacionais (e por consequência das mesmas) há as três participações consecutivas na fase de grupos da Liga dos Campeões. 

    O Sturm estreou-se na maior competição de clubes de forma infeliz, em 1998/99, conquistando apenas um ponto frente a Real Madrid, Inter e Spartak depois de duas vitórias no play-off de acesso, mas conseguiu deixar uma melhor imagem de si nos anos seguintes.

    Sturm Graz, numa vitória (2-0) sobre o Rangers @Getty /
    Conseguiu seis pontos e um terceiro lugar no grupo, contra Manchester United, Dinamo Zagreb e Marseille, caindo para a Taça UEFA onde foi derrubado pela era dourada do Parma. No ano seguinte, 2000/01, foi ainda mais longe e venceu um grupo com Galatasaray, Rangers e Monaco, antes de fazer seis pontos na segunda fase de grupos (Valencia, Manchester United e Panathinaikos), numa gloriosa campanha de liga milionária, para os padrões austríacos.

    A euforia europeia não coincidiu com títulos nacionais. A equipa caiu para quarto em 2001, regressou a vice em 2002 e não foi além de uma final da Taça em termos de proximidade de troféus, iniciando 2002/03 com a rescisão de Osim.

    Essa saída custou caro ao clube, já que os sucessores, primeiro Franco Foda e depois Michael Petrovic, não estiveram à altura e a equipa que tinha terminado 2001/02 em segundo foi tabela fora, terminando em sexto, depois em nono, sétimo, oitavo, sétimo... etc. Maus resultados, aliados a uma crise que ameaçou acabar com o clube!

    O Sturm Graz estava a anos-luz dos sucessos da década anterior, mas Foda, que tinha regressado em 2006, foi aliado do novo presidente (Hans Rinner) no inverter desse rumo.

    Celebram um quarto lugar que permite ao clube jogar a fase de grupos da Liga Europa em 2009, ano de centenário, mas conseguem ir além disso... Em 2010/11, depois de um hat-trick de quartos lugares, o Sturm Graz sagra-se campeão austríaco pela terceira vez na história!

    @Sturm Graz
    Um feito importante e amplamente celebrado, já que foi conquistado numa altura em que o futebol austríaco já tinha visto nascer um novo golias na forma do Red Bull Salzburg. Uma hegemonia como nunca antes a Bundesliga tinha visto, por parte de um clube que bateu a impensável marca dos 10 títulos consecutivos...

    meisterplate tornou-se numa miragem para o Sturm (e todos os outros), mas a Taça ainda representava uma oportunidade ligeiramente mais realista, que os homens de preto e branco fizeram questão de aproveitar.

    Em 2017/18, o Sturm Graz interrompeu uma série de quatro conquistas sucessivas para levantar esse troféu com um golo no prolongamento (1-0) e em 2023, novamente após quatro consecutivas da Red Bull, um histórico bis de Manprit Sarkaria deu a Taça ao Sturm pela quinta vez!

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