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    T. Campeões 1955/56
    Grandes jogos

    Sporting x Partizan: A Europa começa em Lisboa

    Texto por João Pedro Silveira
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    Tecnicamente, a Europa é uma península no extremo ocidental da Eurásia, a maior placa continental do planeta Terra. Estende-se dos Urais, a leste, ao Atlântico, a ocidente, e da gélida Escandinávia, a norte, às soalheiras margens do Mediterrâneo, a sul.

    Onde começa a Europa? Histórica e culturalmente a resposta será sempre a Grécia Antiga. Geograficamente é mais complicado avaliar. Será sempre uma questão de perspetiva. Tudo depende por onde queremos começar... 

    Mas, se falarmos das competições europeias, que não haja dúvidas: a Europa começou em Portugal, mais propriamente no Estádio Nacional, nos arredores de Lisboa, onde se deu o pontapé de saída da Taça dos Campeões Europeus. Era então o dia 4 de setembro de 1955. 

    Mas quem é o campeão do Mundo? 

    A história deste jogo começa a 13 de dezembro de 1954, no Molineux, em Wolverhampton, onde os Wolves receberam e venceram os húngaros do Honved por 3x2, num embate que tinha sido aguardado em Inglaterra como um tira teimas depois da histórica vitória (3x6) da Hungria em Londres, em 1953 (1), pelo que os ingleses queriam mostrar que ainda eram senhores do futebol.

    A imprensa inglesa foi unânime no gáudio com que a vitória sobre a equipa de Puskas foi celebrada. O Daily Express não tinha dúvidas quando escreveu que «este (futebol) é o genuíno, o original, o imbatível... ainda certamente o melhor do mundo»; o Daily Mirror chamou aos Wolves «Os Grandes» (2) e o Daily Mail coroou o Wolverhampton como os «Campeões do Mundo».

    A resposta a tal pomposa proclamação não tardou e veio do outro lado da Mancha, com Gabriel Hanot, editor do L'Equipe, a escrever no editorial do famoso jornal desportivo parisiense:

    @Sporting CP
    «(...) Antes que declaremos o Wolverhampton como invencível, deixem-no ir a Moscovo (3) e Budapeste. E ainda há outros clubes de renome internacional como o Milan ou o Real Madrid, só para nomear dois. Um Campeonato do Mundo de clubes, ou pelo menos europeu (...), devia ser lançado.»

    O repto pegou, a UEFA gostou da ideia e, no congresso de março de 1955, aprovou a criação da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Convidaram-se, então, as equipas mais prestigiantes da Europa para participar na prova. 

    Uma nova competição

    Dezasseis equipas participaram na primeira edição de 1955/56: Milan (Itália), AGF Aarhus (Dinamarca), Anderlecht (Bélgica), Djurgården (Suécia), Gwardia Warszawa (Polónia), Hibernian (Escócia), Partizan (Jugoslávia), PSV Eindhoven (Países Baixos), Rapid Wien (Áustria), Real Madrid (Espanha), Rot-Weiss Essen (Alemanha Ocidental), Saarbrücken (Sarre), Servette (Suíça), Sporting CP (Portugal), Stade de Reims (França) e Vörös Lobogó (Húngria).

    Se Milan, Real Madrid, Stade de Reims e Rot-Weiss foram campeões nos seus países, em alguns casos, a UEFA preferiu convidar um clube em detrimento do campeão. Casos de Sporting (em vez do Benfica), PSV (em vez do Willem II), Partizan de Belgrado (em vez do Hadjuk Split) ou do Hibernian (em vez do Aberdeen).

    No caso leonino não surpreenderá o facto dos leões terem vencido sete das últimas nove edições do Campeonato Nacional da Primeira Divisão, sendo, aos olhos de todos - portugueses e estrangeiros -, o crónico campeão do futebol português.

    De Inglaterra veio a nega da Federação Inglesa (FA). O Chelsea, campeão inglês, não podia disputar a nova prova correndo o risco de ser suspenso pelo organismo com sede em Londres. Por causa desse boicote da FA, o clube de Stamford Bridge ficou fora da mais importante prova do calendário europeu até aos anos 90, data em que a prova viu alterada o seu formato e passou a admitir também outras equipas além dos diversos campeões nacionais (4). 

    O Sporting "abraçou" desde a primeira hora a ideia, tendo o sorteio ditado que iria encontrar os jugoslavos do Partizan na primeira ronda com a primeira mão a ter lugar em Lisboa.

    Os dois clubes acordaram, então, jogar o primeiro encontro a 4 de setembro, longe de imaginarem que aquele jogo seria o primeiro de uma longa lista de jogos daquela que viria a ser a mais apaixonante competição de clubes do Mundo.

    O pontapé de saída

    Nos registos não se guarda quem, efetivamente, deu o pontapé de saída no jogo depois do francês Édouard Harzic apitar para o começo do mesmo, mas sabe-se que foi um sportinguista o primeiro a fazer a balançar as redes logo aos 14 minutos da primeira parte. Com este remate, João Martins entrou para história do Sporting e da própria UEFA e confirmou a sua vocação para golos históricos, tal como aquele que apontara ao Belenenses a 24 de abril do mesmo ano.

    Era o delírio entre os 30 mil espetadores que davam colorido às cinzentas bancadas do Jamor. O Sporting procurou o segundo golo, mas o Partizan reagiu e mostrou aos portugueses que o receio que a imprensa lisboeta demonstrara sobre as qualidades do adversário não era infundado.

    Milutinovic empatou aos 45' e colocou os jugoslavos na frente logo no primeiro minuto do segundo tempo. O macaense Joaquim Pacheco ainda empatou, mas Bobek voltou a colocar o Partizan na frente aos 73'.

    O empate chegaria aos 78', novamente por obra de Martins, mas o Sporting foi incapaz de fazer a reviravolta. Mais de um mês depois, em Belgrado, os leões foram goleados por 5x2 (5) e despediram-se da competição.

    O Partizan seguiu para os quartos-de-final onde defrontou o Real Madrid. Em Chamartín, o 4x0 a favor dos blancos parecia ter resolvido a eliminatória, mas, quando Milutinovic marcou o terceiro golo - o seu segundo - do Partizan aos 87 minutos, Di Stéfano e companhia tremeram...

    Resistindo nos poucos minutos que faltavam, os madridistas seguiram em frente e acabariam por vencer as cinco primeiras edições da competição.

    Para memória futura
     
    Carlos Gomes, Joaquim Pacheco, Manuel Passos, Armando Barros, João Galaz, Caldeira, Juca, Vasques, Travassos, Hugo Sarmento e João Martins foram os onze escolhidos pelo argentino Alejandro Scopelli para essa tarde histórica.

    Ao contrário dos rivais Benfica e FC Porto, para o Sporting - vencedor da Taça das Taças em 1963/64 e finalista vencido da Taça UEFA em 2004/05 -, a Taça dos Clubes Campeões Europeus nunca foi sinónimo de sucesso.

    O mais longe que os leões conseguiram chegar foi aos quartos-de-final em 1982/83, onde eliminados pelos espanhóis da Real Sociedad. Já os sérvios do Partizan têm melhores memórias da competição, tendo jogado uma final em 1966 e perdendo por 2x1 precisamente com o Real Madrid.

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    (1) Essa vitória dos magiares, em Wembley, marcara o fim de uma era no futebol. Pela primeira vez, uma nação não britânica vencia a Inglaterra em sua casa. Em maio de 1954, a Inglaterra visitou Budapeste e perdeu 7x1, sofrendo a pior derrota da sua história. 
    (2) «Wolves The Great» - Wolves (os lobos) é o nome como são conhecidos os jogadores do Wolverhampton.
    (3) Antes do confronto com o Honved, o Wolverhampton vencera alguns clubes estrangeiros que tinham visitado o Molineux, entre eles o Spartak de Moscovo (4x0) que a imprensa inglesa considerara que «levara uma martelada» e também com a foice, numa clara alusão política à União Soviética. 
    (4) O primeiro clube inglês a participar na Taça dos Campeões Europeus foi o Manchester United, com sua famosa equipa dos Busby Babes, tragicamente desaparecida do acidente aéreo de Munique
    (5) Depois de dois golos em Lisboa, Milutinovic apontaria mais quatro em Belgrado. 

    Comentários

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    motivo:
    JO
    Lindo!!!
    2015-09-04 15h44m por JoaoSCP19_JL76Boy
    Magico SCP a ficar cada vez mais magico!
    jogos históricos
    U Domingo, 04 Setembro 1955 - 17:00
    Estádio Nacional do Jamor
    Édouard Harzic
    3-3
    João Martins 14' 78'
    Joaquim Pacheco 58'
    Milorad Milutinović 45' 46'
    Stjepan Bobek 73'
    Estádio
    Estádio Nacional do Jamor
    Lotação37593
    Medidas105x68
    Inauguração1944