Foram 18 anos de leão ao peito, 10 deles na equipa principal, onde venceu todos os títulos nacionais e disputou uma final europeia. Durante todo esse tempo, foi um verdadeiro líder, dentro e fora de campo, daí ter recebido ainda jovem a braçadeira do clube que nunca escondeu ter no coração. Jogou 31 vezes pela seleção portuguesa, incluindo em provas como europeus e no Mundial de 2002 onde até marcou. Mais do que um defesa central de grande qualidade, Beto foi um símbolo daquilo que o Sporting representa, embora , por obra da repetição, aquilo que o nome "Beto" evoca aos adeptos de futebol português não são ideais de esforço e devoção, mas sim duas palavras: Real Madrid.
De Lisboa a Madrid são cerca de 625 quilómetros. De avião, é uma viagem que se faz numa hora, de carro são precisas seis e a pé, sem paragens, seriam precisos no mínimo cinco dias. Beto não chegou numa hora, nem seis, nem 120, aliás, a comparação nem sequer é justa porque Beto não chegou de todo. Foram anos a falar da mudança para a capital espanhola, onde o defesa central representaria o Real Madrid, só que a interminável jornada até Espanha acabou por terminar... no Sporting, de onde, por mais que os rumores continuassem, Beto nunca saía.
O sonho de jogar nos grandes clubes europeus é comum a quase todos os jogadores de futebol, e o Real Madrid é sem dúvida um desses clubes. São os galáticos, a equipa das estrelas, que faz do campeonato espanhol um dos mais emocionantes do mundo e que coleciona troféus da Liga dos Campeões como se fossem selos. Mas este sonho concretiza-se só para uma percentagem minúscula de todos os jogadores de futebol.
A transferência até fazia sentido no papel. O Real Madrid tinha Fernando Hierro no centro da defesa, mas parecia faltar alguém para completar a dupla com melhor qualidade do que Karanka ou Helguera (que também jogava no meio-campo). Aqui surgia Beto como uma opção interessante, o português estava em alta no início do novo século, tal como o Real Madrid, e o casamento das duas partes parecia ser bastante provável.
Ainda assim, não aconteceu. A possível ida de Beto para o Real Madrid é uma das maiores quase-transferências que alguma vez (não) aconteceram no futebol português. Por mais que os jornais vendessem a ideia ano após ano, o jogador acabou por ficar nos leões. Beto viveu uma grande carreira no Sporting, com momentos doces e alguns mais azedos. Fez lembrar uma daquelas tartes de limão, excepto que o 'merengue' nunca chegou à mesa.
Estamos na oitava jornada do campeonato, em 1996/97, quando o Sporting e o Benfica se defrontam em Alvalade. O Benfica ocupa a primeira posição e o Sporting está em terceiro, mas uma vitória leonina colocaria as duas equipas em igualdade pontual, para aquecer a luta. Do lado caseiro há Sá Pinto, Marco Aurélio e Oceano; os encarnados contam com Preud'homme, Dimas e João Vieira Pinto, mas a figura estranha em campo é um jovem defesa de 20 anos, que fazia a sua estreia no Estádio de Alvalade: Beto.
Para muitos adeptos no futebol português, o golo ao Benfica foi o início do trajeto do jovem central, mas a verdade é que já seguia uma grande caminhada. Roberto Severo, mais conhecido como Beto, nasceu a 3 de maio de 1976 em Lisboa e desde cedo revelou uma grande apetência para a viver a vida com a bola nos pés, de preferência vestido de verde e branco. Aos 12 anos, já jogava no Sporting, clube que tão cedo não trocaria. Fez o seu caminho pela formação do clube, antes de completar os 18 anos e dar os os primeiros passos fora da zona de conforto, que coincidiram com uma conquista europeia por parte da seleção portuguesa de sub-18.
A espinha dorsal dessa equipa campeã continha, para além de Beto, nomes familiares como Nuno Gomes, Dani e Quim, e manter-se-ia junta durante algumas competições. O Campeonato do Mundo de sub-20, no ano seguinte, viu a equipa das quinas conquistar um terceiro lugar, que garantiu a qualificação para os Jogos Olímpicos de 1996 em Atlanta, onde Portugal voltaria a cair na meia-final.
Apesar da derrota, Beto deixou boas impressões aos olhos dos adeptos e do treinador belga, que decidiu dar continuidade à aposta. Quatro dias após a estreia, o jovem central jogou os 90 minutos de uma vitória do Sporting sobre o Vitória, em Guimarães, mas o verdadeiro impacto surgiu na semana seguinte, na tal receção ao Benfica que viu Beto fixar-se permanentemente na defesa leonina.
A primeira vez que Beto visitou o Estádio de Alvalade tinha quatro anos, na primeira ocasião em que se lembra de ver um jogo de futebol. O amor pelo Sporting vinha do pai, que segundo Beto era um «enorme leão» e influenciou uma família que se fez 100% sportinguista. Ainda cedo, na juventude de Beto, o seu pai faleceu, não tendo tido oportunidade de ver o seu filho pisar pela primeira vez o relvado da "casa" que tanto amavam, ainda que permitindo formar o caráter de um homem que se faria líder no clube do coração.
Então Beto tinha já conquistado o lugar no centro da defesa, ao lado de um jogador que seria o seu mentor e exemplo: Marco Aurélio. Ao longo de quase três anos, jogaram juntos, semana após semana, com o brasileiro a apadrinhar o jovem leão até decidir rumar a Itália, numa transferência que colocaria o Sporting em necessidade de um companheiro para Beto. A solução veio também de Itália e era da mesma nacionalidade, sendo esta a história do início da dupla Beto/André Cruz, uma das maiores duplas defensivas na história do futebol português.
O virar do século foi também um ponto de viragem no Sporting. Os leões já não venciam o campeonato nacional há 18 anos e isso refletia-se nos adeptos, que desesperavam pelo sucesso da equipa, mas seria na temporada de 99/00 que o troféu chegaria. O início não foi o melhor. O treinador era o italiano Giuseppe Materazzi, que mostrou dificuldades e foi despedido após a quinta jornada, momento em que o Sporting decidiu apostar num português que conhecia bem o clube, pois já lá tinha jogado: Augusto Inácio.
Se uma defesa liderada por Beto já era sólida, então ao lado do veterano brasileiro melhor ainda, acrescenta-se Peter Schmeichel na baliza e temos uma parede de betão. O trio sofreu apenas oito golos em 19 jornadas do Campeonato, sendo que na última celebraram a tão desejada conquista da liga portuguesa. Além de campeão, pôde também jogar a Liga dos Campeões, onde defrontou... o Real Madrid, na fase de grupos. Talvez o momento em que esteve mais próximo da camisola blanca (que nos perdoe a brincadeira, o Beto).
Dois anos depois, já com experiência europeia e internacional, Beto continuava a figurar numa das melhores equipas leoninas da história recente. Em 2002, o Sporting voltou a ser campeão nacional, fazendo a dobradinha depois de vencer o Leixões na final da Taça de Portugal. Nessa equipa, jogavam nomes como Mário Jardel, César Prates, Pedro Barbosa e João Vieira Pinto, para além de jovens valores como Quaresma e Hugo Viana, mas não era por isso que Beto perdia dimensão no clube, pois vinha da sua época mais goleadora e mantinha a titularidade, ora como defesa central, ora a lateral.
Durante os vários anos de balneário no Sporting, Beto nem sempre foi capitão, um pouco por conta do impacto de Pedro Barbosa mais à frente no campo, mas ainda usava a braçadeira dos leões em 2005, quando integrava a equipa que fez uma invejável caminhada até à final da Taça UEFA (foi dele o golo da reviravolta na épica eliminatória contra o Newcastle), disputada em casa, e tragicamente perdida para os russos do CSKA
Despedia-se assim Beto, um leão que rugiu bem alto na defesa daquele que era o seu amor de menino. O legado que fica é de um capitão com grande garra e atitude, que esteve presente nos mais recentes títulos do clube, a camisola 22 que deu tantas alegrias e um defesa central capaz no desarme e nos duelos. No total foram 315 jogos, um número que o coloca como 17º jogador com mais partidas na história do clube. Marcou ainda 25 golos, alguns deles muito importantes.